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40 anos do F-117 Nighthawk: quatro fatos sobre o primeiro avião stealth operacional

F-117

No dia 18 de junho de 1981, uma aeronave negra com formato lembrando um diamante decolava da infame Área 51, a mais famosa base militar do mundo. Por quase 10 anos a mesma aeronave operou em segredo na região, voada por pilotos e cuidada por mecânicos selecionados a dedo. Nem suas famílias sabiam o que eles faziam no trabalho. 

Seu nome? F-117 Nighthawk. Fabricante? Lockheed Corporation. Função? Atacar alvos sem ser detectado pelos radares do inimigo, fossem objetivos táticos ou estratégicos. Há 40 anos, o primeiro avião stealth fazia o seu primeiro voo na área de Groom Lake, no estado de Nevada. 

Stealth significa furtivo e na aviação militar o termo se refere à capacidade de determinada aeronave absorver ou desviar o retorno de ondas de radares inimigos. O radar consegue detectar e acompanhar determinado alvo através de ondas que são enviadas e retornam à aeronave emissora. Se determinada aeronave absorve ou desvia as ondas para outra direção que não seja a aeronave emissora, ela “permanece indetectada.”

O Nighthawk foi oficialmente aposentado em 2008, mas ainda voa nos EUA até os dias de hoje. Mesmo após quatro décadas desde o seu primeiro voo, o avião que “abriu o caminho” para o B-2, F-22 e F-35 segue envolto em segredos e mistérios. 

22 jatos F-117 da 37ª Ala de Caças Táticos na Base Aérea de Langley durante um pernoite antes da unidade ser desdobrada para a Arábia Saudita, pouco antes da Operação Escudo do Deserto. Foto: Master Sgt. Boyd Belcher/USAF.

Nascido de um estudo soviético, feito para atacar soviéticos

Em 1964, o pesquisador e matemático soviético Pyotr Yakovlevich Ufimtsev publicou seu estudo intitulado Método das Ondas de Borda na Teoria Física da Difração, onde ele expôs que a força do retorno de um eco radar tinha mais relação com o formato do objeto onde a onda “bate” do que com o tamanho do objeto em si.

Pyotr Ufimtsev.

Anos mais tarde, Denys Overholser,  engenheiro e analista da companhia norte-americana Lockheed Corporation (hoje Lockheed Martin), obteve os estudos de Ufimtsev e os traduziu. Em resumo, os funcionários da fabricante chegaram à conclusão de que uma aeronave com superfícies facetadas poderia desviar as ondas de radar, sem enviar o retorno para o emissor. 

Um dos protótipos de do Have Blue. Foto: Lockheed.

Nascia então o Projeto Have Blue, conduzido pela Skunk Works, a divisão de projetos secretos da Lockheed, com o governo dos EUA no mais alto nível de segredo. A Skunk Works é responsável pelo desenvolvimento de aeronaves como o U-2 Dragon Lady, A-12 Archangel, SR-71 Blackbird e F-22 Raptor.

Do Have Blue surgiram dois protótipos, HB1001 e 1002, cujo voo do primeiro ocorreu em dezembro de 1977 e ambos foram perdidos em acidentes. Ainda assim, os resultados dos testes e experimentos do Have Blue foram satisfatórios. Em seguida, o governo americano deu início ao programa Senior Trend no final de 1978, que daria origem ao Nighthawk.

Dentre as funções do Nighthawk estava o transporte e lançamento de bombas nucleares sobre Moscou e demais alvos estratégicos na URSS caso a Guerra Fria esquentasse. De forma irônica, o F-117 surgiu de um estudo soviético e foi criado para atacar os soviéticos. Hoje, Pyotr Ufimtsev é considerado o pai do stealth, conceito que norteia o desenvolvimento dos mais modernos caças. 

A capacidade Ar-Ar

Desde 1962 os EUA usam um sistema de designações padrão para identificar suas aeronaves, funções e variantes através de letras e números. F significa Fighter, de caça, A de Attacker, de aeronave de ataque, P de Patrol, patrulha, B de Bomber e assim vai. O F-117 foi projetado desde o início como uma aeronave de ataque pequena e ágil, sem radar e apenas carregando bombas para destruir alvos com precisão ou obliterar grandes espaços com ogivas nucleares. 

F-117A Nighthawk lançando uma bomba bunker-buster GBU-27 Paveway III guiada por laser. Pesando cerca de 900kg, essa bomba foi feita especificamente para o F-117. Foto: Master Sgt. Edward Snyder/USAF.

Mesmo assim, o Nighthawk recebeu o prefixo F, apesar de não ser um caça propriamente dito, algo que gera discussões e controvérsias até hoje. O mesmo ocorreu com o F-111 Aardvark, um bombardeiro-tático supersônico que serviu aos Estados Unidos e Austrália. Durante anos foi de consenso geral que o F-117 era uma aeronave puramente de ataque, sem nenhuma capacidade de engajamento ar-ar, ou seja, contra outras aeronaves. 

No entanto, uma entrevista em um podcast revelou uma curiosidade inesperada sobre o F-117. Durante um episódio do Fighter Pilot Podcast, apresentado pelo ex-aviador naval Vincent “Jello” Aiello, Robert “Robson” Donaldson, major aposentado da Guarda Aérea de Michigan e ex-piloto de F-117 afirmou que o “diamante negro” poderia usar todos os armamentos do arsenal americano com exceção ao míssil ar-ar AIM-7 Sparrow, míssil guiado por radar, instrumento que a aeronave não possuía. Robson destacou que um dos objetivos dos pilotos de F-117 era o abate de aeronaves de alerta antecipado da URSS. 

“Sim, na realidade ele é um jato de ataque, mas tinha uma capacidade ar-ar limitada”, disse o Major. Era a bala de prata dos EUA para Moscou, para lançar armas nucleares em Moscou ou qualquer outro lugar do mundo que fosse necessário no momento […] e nosso papel secundário era abater o AWACS soviético. Éramos invisíveis aos seus radares, queríamos eles controlando seu espaço aéreo… Então, entrando ao saindo [do bombardeio] você poderia ter um AWACS soviético pintado na lateral da aeronave.” 

O Major Robertson durante uma entrevista para a televisão. Foto via Fighter Pilot Podcast.

O Abate de 1999

Em março 1999, a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), aliança militar liderada pelos EUA, deu início à Operação Allied Force, atacando a Iugoslávia por conta de crimes contra a humanidade no Kosovo. O conflito pode ser compreendido melhor neste vídeo do canal Nerdologia. Mais de 1000 aeronaves de múltiplas funções dos membros da aliança atacaram as forças da Iugoslávia e dentre elas estava o Nighthawk. 

O F-117 teve seu batismo de fogo durante a Invasão do Panamá em 1989, além de ter visto combate intenso durante a Guerra do Golfo em 1991. Cerca de 1300 surtidas de combate foram realizadas pelos jatos negros no Oriente Médio. Apesar de ter sido revelado ao público em 1988, pouco se sabia da aeronave ainda. Apenas em 1992 eles foram transferidos da base de Tonopah, no meio do deserto de Nevada e não muito longe da Área 51, para a Base Aérea de Holloman, no Novo México. 

Nighthawks na Base Aérea de Holloman em 1992. Foto: USAF.

Mesmo com toda a experiência operacional com a aeronave, o inesperado ocorreu em 27 de março de 1999. Durante uma missão de bombardeio, o F-117 de matrícula 82-0806, callsign Vega 31 e pilotado pelo Tenente-Coronel Darrell Patrick “Dale” Zelko foi abatido por um míssil terra-ar (SAM) de um sistema S-125 Pechora de origem soviética.

Uma bateria S-125 similar à usada para derrubar o F-117 de Zelko em 27 de março de 1999. Foto: Srđan Popović via Wikimedia (CC BY-SA 3.0).

Junto do B-2 Spirit, o F-117 era a ponta de lança dos bombardeiros americanos na área, quase imunes aos radares. Zelko ejetou, evadiu da captura de vários militares e civis que foram atrás dele e foi resgatado pelas equipes de Busca e Salvamento em Combate (CSAR) da Força Aérea dos EUA na manhã seguinte. 

Civil sérvio sentado no assento do F-117 de Zelko. Os destroços estão no Museu de Aviação de Belgrado, na Sérvia.

Mais tarde foi revelado que o comandante da bateria, Coronel Zoltán Dani, havia modificado os sistemas do equipamento para melhorar a capacidade detecção e tempo de engajamento. Além disso, outros fatores contribuíram para o abate do F-117 do Tenente-Coronel Zelko. 

O primeiro é que na noite do dia 27 de março não haviam jatos de guerra eletrônica EF-111 Raven ou EA-6B Prowler para gerar interferência nos SAMs presentes na área. Mesmo sendo uma aeronave furtiva, o F-117 não é 100% invisível aos radares e o mesmo serve para qualquer aeronave stealth existente, mesmo as mais modernas. A ideia do stealth é diminuir a distância de detecção até que seja simplesmente tarde demais para fazer qualquer coisa, dando à aeronave aliada uma “folga” de engajamento muito maior. 

Fontes afirmam que na hora em que o jato de Zelko foi detectado, as portas do compartimento de bombas da aeronave estavam abertas, o que aumentou sua assinatura radar, permitindo sua identificação pelos sensores da bateria comandada por Zoltán Dani. Esse seria o segundo fator. 

Dale Zelko e Zoltán Dani tornaram-se amigos após o abate. Na imagem, os dois posam em frente aos destroços do F-117 derrubado.

Anos mais tarde, Zelko e Zoltán passaram a ter contato através de cartas, se encontraram e tornaram-se bons amigos. Zeljko Mirkovic, um produtor que já havia feito um documentário sobre Dani, produziu outro documentário com o encontro dos dois em 2011, chamado The Second Meeting

Em 2020, o Tenente-Coronel Charlie “Tuna” Hainline, outro ex-piloto de F-117, revelou no podcast The Afterburn que os militares iugoslavos chegaram a acertar outro Nighthawk durante a companha da OTAN em 1999, depois que Zelko havia sido abatido. 

Hainline conta que seu ala foi atingido durante uma missão de bombardeio contra antenas de comunicação. Com a aeronave danificada, ele teve dificuldades para fazer o reabastecimento em voo, mas conseguiu levar o jato de ataque de volta para a base. 

Aposentado? Só que não.

Em 2008, todos os F-117 foram oficialmente aposentados. No entanto, ao contrário da maiores das aeronaves militares dos EUA, os jatos não foram enviados ao 309º Grupo de Manutenção e Regeneração Aeroespacial (309th AMARG) da Base Aérea de Davis-Monthan, o famoso cemitério de aviões no Arizona. As aeronaves foram enviadas de volta à Tonopah para o “estoque Type 1000” onde foram preservadas para uma eventual necessidade. 

Apesar do anúncio da retirada de serviço dos aviões furtivos, múltiplos avistamentos foram relatados ao longo dos anos. Mais recentemente, o Comando de Mobilidade Aérea da USAF emitiu uma notificação informando que todos os seus aviões-tanque KC-135 Stratotanker podem conduzir o reabastecimento em voo com os F-117. 

Em 19/02/2021, o fotógrafo Matt Hartman flagrou dois F-117 sobrevoando Los Angeles e acompanhando um KC-135. Dentre as aparições mais inesperadas dos jatos de ataque está o desdobramento de duas aeronaves na Base Aaeronaval dos Fuzileiros em Miramar, San Diego. Foi lá que o filme Top Gun – Ases Indomáveis (1986) foi gravado. 

Alguns rumores na internet dizem que o modelo teria sido usado em ataques na Síria. Já o portal The War Zone aponta que os Nighthawks estariam em operação atuando como aeronaves adversárias (aggressor) em exercícios militares. 

O certo é que ainda não sabe com detalhes (e provavelmente não saberemos tão cedo) o que a Força Aérea Americana ainda faz com seus F-117 restantes. Cerca de três unidades já foram enviadas para museus no país e não se tem ideia de quantos ainda voam.

Ainda hoje, 40 anos depois que o primeiro de 64 aviões decolou pela primeira vez no meio do deserto de Nevada, o F-117 Nighthawk ainda chama atenção e rende debates em círculos de entusiastas, seja pela seu design facetado em diamante ou pelo mistério que leva consigo.

Abaixo, confira uma galeria de imagens da aeronave. 

 

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Gabriel Centeno

Autor: Gabriel Centeno

Estudante de Jornalismo na UFRGS, spotter e entusiasta de aviação militar.

Categorias: Artigos, Militar, Notícias

Tags: F-117, stealth, usaexport