Um filósofo brasileiro disse, “O conhecimento serve para encantar as pessoas. Não para humilhá-las”. A frase é de Mário Sérgio Cortella, que também é professor e utiliza do conhecimento para informar e formar. Compartilhar o que sabemos, o que aprendemos ao longo da vida e dos anos é transmitir história. Muito próxima dessa frase do Cortella, a hoje pilota da LATAM, Vitória Hass lembrou da época que era aluna e o professor de pilotos a ensinou que, “Humildade e não deixar subir pra cabeça Vitória. Admitir erros e perguntar, não é vergonha não saber. Isso inclui dentro da aviação e fora dela”. Já o aluno Cristian Ramos, aluno do mesmo professor, lembra o que ele ensinava, “Seja ético Cristian, tenha bons princípios e tenha palavra, porque é o que vai te diferenciar”.
O professor de ambos é o Alceu Feijó. Um professor de pilotos e que representa o conhecimento humano, na formação de novas e antigas gerações, na aviação do Brasil.
Apaixonado por aviões, desde os seis anos de idade. O menino do interior, que pedalava nas estradas de terra e pedra até o aeroclube. Aos 13 anos, em 1967 era chamado de “ratão de hangar”. Feijó foi aviador agrícola, alguns anos atuou como piloto privado e hoje presidente de um aeroclube no Rio Grande do Sul, na cidade de Novo Hamburgo.
Alceu tinha um sonho de menino, mas quem o levaria a sério em uma cidade do interior e sem familiares na aviação?

Alceu na infância com seu aviãozinho de brinquedo (Arquivo pessoal)
Dois anos depois de começar frequentar o aeroclube, Alceu completaria apenas 15 anos e o homem faria sua viagem espacial até a lua em 1969. Os Estados Unidos já haviam lançado foguetes no espaço, na década de 50, antes de Alceu pensar em ter seu primeiro aviãozinho de brinquedo.

Aos 15 anos de idade, Alceu ao lado do sonho de asas (Arquivo pessoal)
Os registros históricos por transportes aéreos iniciam no Brasil em 1900 pelo pai da aviação, Alberto Santos Dumont. O conhecimento foi passado, registrado, informado por jornais, revistas, livros, aulas, dúvidas. Outras pessoas leram, se interessaram, aprimoraram.
Alunos e professores. Questionadores e interessados em passar o que sabiam. Assim fomos registrando invenções, mecanismos, sagacidade.
Grandes inventores e importantes nomes da ciência, como Albert Einstein já dizia, “O importante é não parar de questionar; a curiosidade tem sua própria razão de existir”. Para que o conhecimento seja passado e não ultrapassado, alunos precisam se interessar, é necessário termos referências dentro ou fora das salas de aula. Nos interessamos também por aquilo que nos é apresentado, no que temos acessos. Sem alunos não há perguntas, não há quem duvide do que está sendo dito, para que haja transformações e melhorias.
O progresso vem com a mistura de dúvidas e o que já foi pensado.

Cristian e o professor Feijó em uma aula de voo(Arquivo pessoal)
Cristian, que foi aluno de Feijó recorda. “Eu não era da aviação, não tinha conhecido e nem base de aviação e o Feijó não sabe como ele influenciou nisso positivamente como meu professor. Hoje posso dizer que sou alguém feliz e realizado. São anjos que te transformam a vida da gente através do conhecimento” .
Para a pilota Vitória os professores muitas vezes, os professores, são referências que não encontram em casa.“Foi através de um professor meu da escola que me levou num aeroclube, porque ele sabia da minha vontade de me tornar pilota, porque eu achava que piloto era filho de filho de piloto. Os professores são fundamentais, sem eles não aprendemos. Professor e aluno aprendem um com outro”.

Vitória Hass como pilota na LATAM

Alceu e Vitória na aula de voo(Arquivo pessoal)
Antes de ter alunos, Alceu Feijó passou por inúmeras experiências e viu a transformação dos cursos e da aviação.
Alceu também teve professores, suas referências, os mais velhos daquele aeroclube no interior. Sua bicicleta, sua fiel companheira que o transportava até o sonho de infância o levou para além do chão. Talvez aquelas rodinhas, naquele chão, seriam de suma importância para o futuro piloto agrícola levantar voo em estradas de terra.
A evolução está ligada também ao interesse. Segundo Feijó as melhorias deram início a uma nova geração de pilotos. “Comparando o meu tempo com atualmente, era muito precário, não havia material de ensino. Não existia calculadora, era lápis, papel e borracha os cálculos.Não existia GPS, tínhamos bússola. Foi melhorando e surgindo computador de voo para as provas”.
Quando falamos que o ofício de ensinar chegou antes mesmo da escrita, na história da humanidade, cabe ressaltar a fala de Feijó na evolução do ensino para piloto de avião no Brasil. “O que qualificou foi os ensinos superiores. A qualidade do ensino melhorou muito, mas a parte prática nunca poderá ser negligenciada. Já peguei alunos com dificuldade em avião convencional, mas com treinamento jamais desqualifica o ensino superior”, afirmou o professor.
Em outras épocas, as escolas para formação de pilotos investiam no aprendizado prático fortemente. O conhecimento compartilhado não se perde, ele se aprimora com o passar do tempo e as máquinas evoluíram juntamente com o homem, as gerações mudaram, a pluralidade de culturas, tudo isso apoiou na transformação das máquinas e na sequência do homem utilizando-as.
Quero ser piloto
Em uma busca prévia no Google se você digitar a pergunta “Como se tornar um piloto” chegará a mais de 1,5 milhão em resultados de respostas. Hoje, no Brasil, cerca de 26 mil pilotos estão autorizados a pilotar aeronaves, segundo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), dados do segundo semestre de 2023. Na área de aviação o que pode chamar a atenção são os salários, as viagens e inclusive, a potência da máquina. Ter a responsabilidade de pilotar, pode também desenvolver muitos sentimentos bons e outros que se misturam com a palavra ter “poder”. Sonhar em estar no ar, cabe pensar na responsabilidade e também em algumas frustrações, de como por exemplo não estar sempre com a família.
A profissão é necessária para o transporte não apenas de passageiros, mas de importantes cargas, como medicações, insumos, carros, peças e muito mais. O conhecimento que Feijó repassa há anos equilibra o conhecimento técnico, mas o olhar de quem tem gosto pela aviação. “ A aviação nasce com a gente. Quando recebo visita de escolas aqui, um instrutor acompanha pelo hangar e seguido disso soa um ruído de um avião decolando então daquelas 20 crianças, duas ou quatro abandonam a palestra e vão ver na porta do hangar os aviões. Essa curiosidade mostra muito quem pode se tornar um piloto”, destaca Feijó.

Alceu pilotando (Arquivo pessoal)
Agregar conhecimento, passar adiante o que se sabe fica como o maior exercício que o professor que forma pilotos tem feito. “Tenho um amigo que foi meu aluno, virou meu compadre e fala que chegou o momento de passar para as próximas gerações o que aprendemos. Todo aluno que passou eu sinto orgulho. Às vezes tem aluno que me liga na madrugada, do outro lado do mundo me agradecendo, isso não tem preço”, falou o professor.
Na área há muitos anos e vendo a inserção dos alunos no mercado da aviação, o professor destacou. “A escola é o início de tudo, é o ninho dos profissionais que vão comandar as aeronaves de grandes empresas. Os alunos também sofrem muito para manter um bom currículo, porque atualmente tem muita cobrança e responsabilidade sobre vidas. Os alunos se dedicam a investimentos altos e cada vez mais, há cobranças maiores”.
Para Alceu as mudanças na aviação, com a inserção feminina também devem ser lembradas como momento histórico.“Começando pela minha filha, Angela e outras tantas alunas que passaram comigo, todas são muito dedicadas. Mulheres vão dominar a aviação. Eu vejo preconceito, mas a dedicação das mulheres é o dobro das dos homens, então com essa dedicação todas elas se tornam excelentes profissionais”.

Alceu junto da filha Angela na infância ensinando a pilotar (Arquivo pessoal)
A aluna Vitória lembra com carinho de quem a ensinou e a empoderou se tornar uma pilota. “O Feijó era um paizão, porque fui a única da família que fui parar na aviação. Ensinou muito e com paciência. As histórias de vida dele na aviação me agregaram muito”, lembrou Vitória Hass.
Cristian, fala emocionado como o professor foi familiar e junto passou muito conhecimento.
“O Feijó tem conhecimento amplo de todas áreas da aviação e o que é complexo ele transforma em algo simples. Eu abandonei o escritório da família para fazer as aulas de piloto e isso não foi bem visto na família. Meu professor, o Feijó fez questão de fazer um encontro com meu pai no aeroclube para que ele visse como eu estava feliz fazendo os voos, isso me marcou muito, porque ele como meu professor me apoiou nisso” .
Histórias que se cruzaram, que multiplicaram conhecimento através de alguém que promoveu diálogos sobre ensinar. Como diria o piloto francês, Antoine de Saint-Exupery “Sonhe o mais alto que puder. Eu sonhei tão alto, mas tão alto, que voei”.
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