Advertisement

Os espiões dos céus – Década de 60/70

É inegável que as décadas de 50, 60 e 70 foram de extremo avanço em todos os setores aeronáuticos e aeroespaciais, diversos projetos surgiram em meio aos borbulhos dos cérebros ferventes da Guerra Fria, e quando eu digo isso eu quero falar sobre as mentes brilhantes que apareceram naquela época, pessoas jovens com excelentes ideias e capacidade de realizar um rápido avanço com poucos recursos.

Mas o contexto da Guerra Fria é essencial para essa matéria que está sendo produzida, aliás, as necessidades naquela época eram provenientes de atrito entre diferentes ideologias, isso criou diversos sistemas no mundo em que facilitava a vida de todos. No início da década de 60 haviam poucos satélites na atmosfera, o voo espacial estava “recém descoberto”, transmitir uma ligação entre Estados Unidos e Europa? Vixe, era complicado. Na década de 60 também começou a surgir o sistema de internet (Arpanet), através de uma comunicação multi-distribuída e de acordo com os EUA, anti-URSS.

Lockheed U-2, aeronave que deu início aos espiões de verdade. Foto – USAF

Naquela época a tecnologia de satélites não era fácil como hoje, não havia possibilidade de lançar um satélite espião, principalmente em uma missão secreta. Diríamos que satélites espiões seriam bem úteis, tanto a URSS como os EUA continham muitos mísseis, que ficavam armazenados em “silos” abaixo do solo, tinham seu alvo salvo por um computador quase pré-histórico, utilizavam propulsão sólida para serem lançados a qualquer momento e continham uma ogiva nuclear, para a “brincadeira” ser bem legal.

Não havia método melhor para rastrear essas áreas e ter uma real noção do poder bélico do que seu inimigo senão tirando fotos a distância, se aproximar de uma área militar era algo quase impossível, espionagem era bem complicado. Nessa necessidade de rastrear cada vez mais espaços maiores e com amplo domínio do seu inimigo que surgiram as aeronaves espiãs, que obtinham a vantagem de voar alto e rápido, com capacidade de confundir os melhores radares que estavam em uso naquele momento.

O primeiro bom ponto para uma aeronave espiã, para aquela época, deveria ser voar mais rápido do que qualquer caça disponível, o segundo deveria voar o mais alto possível, e o terceiro seria ter a maior autonomia para a missão a qual seria destinada. Como os computadores eram um problema imenso para a década de 60, eles não conseguiriam alterar a rota de um míssil ou guiar uma aeronave voando rapidamente na estratosfera.

Os EUA iriam atender realmente esses pontos a partir de 1963, quando foi dado o start inicial para o projeto do Lockheed SR-71 Blackbird, A-12 e D-21, ambos com funções parecidas, mas de características diferentes. Essa parte deve ser tão detalhada que falaremos abaixo das características e do desenvolvimento de cada um, reafirmando que as funções são parecidas, bem como a história colaborou para o surgimento desses aviões.

 

Tsybin NM-1 – A Rússia não ficou parada

Atrasado em relação ao U-2 dos EUA, o NM-1 surgiu para ficar somente em fase de testes. Com essa aeronave foi possível estudar como refinar a aerodinâmica de um jato com asa curta e também provou algumas características de voo, como ser bem estável e maleável durante manobras simples.

Um primeiro protótipo, chamado de NM-1, foi construído pela URSS para testar algumas das suas características de voo, esse protótipo era feito em duralumínio e compensado de madeira. No final esse protótipo deu origem ao Tsybin RSR, esse estava de acordo com a tecnologia existente nas aeronaves daquela época.

Depois de um rápido teste em voo, que reafirmaram suas características principais e como funcionaria um controle manual de uma aeronave desse tipo. A URSS decidiu por finalizar sua produção e introduzir um outro conceito que já estava emparelhado com as ideias da América.

Foi uma aeronave de aprendizado para a URSS, nela eles aprenderam como uma asa com aquele formato se comportava em momentos críticos do voo, como o pouso e decolagem. Mostrou também que o projeto havia inúmeros erros sobre as velocidades estimadas para a decolagem e pouso, durante o voo o NM-1 ficava por um fio de estolar no céu.

O NM-1 usava a primeira geração dos motores turbojatos, no total com dois motores, cada um na ponta de uma asa. Também tinha sistemas hidráulicos para o trem de pouso.

 

Convair Kingfish – Não para a perca de tempo – #SQN

Imagem – Lockheed Martin

O Kingfish foi um projeto feito para concorrer com o Lockheed A-12. Porém o desenvolvimento e estudo do Kingfish não foi fácil, primeiramente a Convair pensava em usar um conceito em formato de asa, muito parecido com o encontrado hoje no Northrop B-2.

Mas o Convair Kingfish não usava um real conceito stealth, apesar dos notáveis avanços aerodinâmicos, através de uma asa em delta totalmente nova. A aeronave usava um projeto na extremidades para reduzir a detecção do radar, através de defletores, que demonstraram uma baixa eficiência de refletir as ondas eletromagnéticas, então a fabricante partiu para a aplicação de materiais especiais no avião.

O Kingfish também precedeu os projetos Archangel 1 e 2, criados anteriormente como um estudo de design pela Convair, agregando alguns conceitos não convencionais para essa aplicação, como uma empenagem traseira em T. Outro projeto foi cogitado anteriormente, o B-58B, muito ambicioso este prometia estrutura em cerâmica para suportar o calor gerado pelo atrito do ar, quando este voasse em velocidade Mach 4, a 90 mil pés de altitude, o Kingfish aproveitou desses conceitos estruturais para suportar o calor durante o voo.

Em 1959 o Lockheed A-12 foi escolhido pela CIA, porém o projeto do Kingfish se manteve para caso os conceitos da Lockheed fracassassem.

 

Tsybin RSR – O mais alto do reconhecimento aéreo

O projeto do RSR é o que podemos dizer como uma mescla, ou uma “bagunça organizada” de vários conceitos sendo executados ao mesmo tempo. Na cabeça da União Soviética só tinha uma coisa, criar a aeronave com a melhor relação peso/potência possível, para isso eles abandonaram todos os conceitos de fuselagem em aço e titânio, partindo para outro tipo de material que conseguiria resistir as temperaturas de quase 220ºC, causada pelo atrito com o ar em alta velocidade.

Ao que aparenta em alguns vídeos, essa aeronave conseguiu voar que nem o NM-1, inclusive uma de suas características da propaganda soviética era a capacidade de voar na altitude de 130 mil pés, carregar uma bomba de hidrogênio e voar com velocidade de Mach 2.5. Seus equipamentos espionagem eram compostos por duas câmeras de alta resolução, um radar panorâmico e um receptor de radar de alerta. Seu sistema de navegação tinha um piloto automático e utilizava navegação astro-inercial através de um giroscópio para se guiar.

Também não ficou totalmente operacional em frota, mas pelo vídeo no anexo abaixo podemos ver que ele realmente voava MUITO alto.

 

Lockheed YF-12 – Em fase de testes

Para criar a melhor linha de aeronaves espiãs do mundo, os EUA precisavam testar diversas ideias e novos conceitos para finalmente introduzir em uma parte da aviação de alto desempenho. Em um planeta que recém conheceu as aeronaves movidas com motor a jato, o sistema de defesa americano, conjuntamente com o russo, já pensava à frente de seu tempo.

O YF-12A tinha vários avanços para um avião-espião, seu novo radar baseado em pulso Doppler ampliou o alcance e permitiu encontrar outras aeronaves a uma distância considerável. O YF-12 precisava desse tipo de radar com alcance útil de 160 km, com a sua velocidade máxima de 3661 km/h um objeto poderia passar pelo seu radar de desaparecer em apenas 2 minutos.

 

Lockheed A-12 – O espião evoluído

Foto – USAF/Reprodução

O mérito dessa aeronave é por ter sido o primeiro avião realmente Stealth da história, ou um avião invisível aos radares. Antecessor do famoso SR-71, esse avião-espião ajudou a desenvolver o então Blackbird, tanto que ficou conhecido como o pai do SR-71, os testes, experiências no avião foram cruciais para o desenvolvimento do YR-71, e logo após o do SR-71 Blackbird.

Porém o A-12 teve seu momento de glória, com uma capacidade de voar entre 85 a 95 mil pés e ser equipados com câmeras de última geração para época, o A-12 podia fazer uma varredura fotográfica em uma área de 116 km por 116 Km.

Curiosidade

O A-12 também participou de operações em conflitos, é o caso da Operação Black Shield, sobre o Vietnã, por diversas vezes a CIA propôs a utilização dos A-12, mas sempre eram rejeitadas pela Casa Branca, até que em 16 de maio do ano de 1967, foi dada a autorização para o emprego do avião-espião, tal ação foi tomada após informações que o Vietnã do Norte poderia receber mísseis balísticos. Montando uma base com uma equipe em Okinawa no Japão.

A curiosidade do fato é que foram feitas ao menos 3 operações de REVO (Reabastecimento em Voo), por motivos climáticos Okinawa não tinha condições de pouso então o A-12 teria que ter combustível para pouso alternativo ou em bases na Coréia do Sul ou nas Filipinas. Após os contratempos, foi possível realizar a missão da operação em termos operacionais, os A-12 voaram em território inimigo a uma velocidade de Mach 3,2 e a 80000 pés, a missão foi bem-sucedida e os aviões espiões pousaram em segurança em Okinawa, ao todo nove missões foram realizadas.

Outra curiosidade em relação ao A-12 era a capacidade dele transporte outro veículo espião, porém esse não tripulado, foi o caso do drone D-21, o que facilitava a operação do drone uma vez que o A-12 poderia chegar aos seus 80000 pés.

As diferenças dentre os dois são bem pequenas, uma delas é o tamanho, o Blackbird é maior que o Oxcard (como também era conhecido o A-12), além do tamanho há diferenças na velocidade, o Oxcard era mais rápido e chegava até 90000 pés, ou seja, uma altitude maior do que o Blackbrid.

Aprendizado

Desde o início do projeto A-12 até a missão na operação Black Shield houve um aprendizado do governo americano em relação aos aviões-espiões, como já foi dito outras vezes nesse artigo, o Lockheed A-12 foi de suma importância para projetos futuros como o “filho” SR-71 Blackbird, tanto que em 1968 foi cancelada a operações dos A-12, já que o SR-71 entraria em serviço no lugar de seu “pai”. 

A tática envolvida nos aviões espiões seguem o fato de voarem alto e rápido, precisamos lembrar também que a época no qual foram projetados e construídos se remetia a períodos de conflitos, entre nações e descobrir a tecnologia que o inimigo estava projetando era importante, uma vez que teria a possibilidade de criar os melhores armamentos de destruição em massa.

Infográfico1e

 

Lockheed SR-71 – O primeiro operacional

O Lockheed Sr-71, ou “Blackbird”, como também é chamado, é um dos, ou se não, o avião-espião mais famoso do mundo, uma das características é sua capacidade de voo hipersônica podendo chegando a Mach 3. A questão da velocidade como dita anteriormente é um dos pontos fortes de aeronaves de reconhecimento, pois é necessário a entrada rápida no território inimigo, a realização da missão e uma saída rápida.

Outro fator no qual o Blackbird tem de característica é a altitude no qual é capaz de operar, tendo seu teto operacional em 85000 pés (25900 metros), outro feito interessante do SR-71 era a capacidade de hipersônico, o “Blackbird” podia voar a Mach 3, exatamente 3530 km/h.

Dentre os aviões espiões dos EUA, provavelmente esse seja o mais conhecido pelo público em geração, dentre os outros é o que mais há registros fotográficos dele.

Cockpit do SR-71. Foto – NMUSA

O voo de uma aeronave a 80000 pés não é algo tão simples de fazer, requer um preparo por parte dos pilotos, e só a elite conseguiu voar no “Blackbird” em seus 30 anos de serviço, apenas 150 militares operaram esta aeronave. Para se voar nas missões no qual o SR-71 era empregado, o preparo dos militares era diferenciado, desde as roupas especiais aos exames físicos exigidos para o voo, era quase uma missão espacial da NASA.

A criação do SR-71 não foi por acaso se deu principalmente após um U2 ser abatido em espaço aéreo soviético, por voar a cerca de 70000 pés, o avião norte americano não foi abatido por caças, pois nenhum poderia chegar a tal altitude, o abate foi por causa de um míssil terra-ar. O piloto em questão era Francis Gary Powers, ele sobreviveu, foi preso e depois de um tempo libertado pelos soviéticos.

A partir disso estudos começaram para criar uma máquina que se voa a grandes altitudes, mas em velocidades bem superior à do U2, com as experiências adquiridas no irmão do SR-71, o A-12 algumas mudanças inéditas na aviação foram feitas para dar vida ao avião hipersônico, dentre elas o material utilizado na fuselagem do avião.

Por voar em grandes velocidades nenhum material suportava as altas temperaturas, para isso o governo americano decidiu utilizar titânio, que apesar de sair caro, funcionava. A tecnologia também estava embarcada nessa nova aeronave, o novo radar baseado em pulso Doppler do YF-71 também estava presente no SR-71.

Incrivelmente os EUA conseguiram uma aeronave que fosse a mais rápida, já que o MiG-25 chegava somente no Mach 3.2, em velocidade, enquanto o SR-71 atingia a velocidade de Mach 3.3. A robustez do projeto só gerou um resultado exemplar, durante toda a vida útil da aeronave, nenhum SR-71 foi abatido.

Além do conjunto de câmeras e do radar, o SR-71 tinha sensores infravermelhos no nariz da aeronave, capazes de detectar qualquer míssil que estivesse por perto. O piloto poderia ligar e desligar várias frequências de rádio (e suas respectivas antenas) para anular a percepção de presença do SR-71 por inimigos. O sistema do avião poderia receber informações transmitidas por qualquer estação que estivessem no raio de 3700 km.

Assim como os russos desenvolveram um sistema de navegação inercial para o Tsybin RSR, a Lockheed também estudou um sistema baseado em giroscópio com a Northrop – Nortronics e implementou no A-12 e no SR-71.

Curiosidade

Ao longo de toda a vida operacional a família Blackbird cumpriu mais de 3500 missões, gerando mais de 53000 horas de voo, sendo 11600 horas em Mach 3. Por causa da grande dilatação da fuselagem entre o solo e o nível de voo, era comum ver o SR-71 pingando combustível quando em solo, durante o voo, com a superfície da fuselagem aquecida, o avião não desperdiçava uma gota de combustível.

Como citado no primeiro parágrafo dessa seção, para o A-12 e o SR-71, os pilotos eram obrigados a utilizar uma vestimenta pressurizada, como os astronautas, além do capacete com suprimento de oxigênio para todo o voo. Não era o modo de voar mais confortável do mundo, porém os pilotos não ficavam muito tempo em voo, o SR-71 era rápido.

 

Lockheed D-21 – Controlado de longe

Foto – U.S. Air Force/Reprodução

Atualmente falamos bastante sobre drones ou VANTS (Veículos Aéreos Não Tripulados), hoje em dia é comum vê-los desde uma simples prática de lazer até em ações militares. Porém não é de agora que surgiu essa ideia de pilotar um avião sem sai do chão, na verdade é uma ideia antiga, que já teve um exemplar na história da aviação.

O avião em questão é o D-21, de fabricação norte-americana pela empresa Lockheed Martin, como já foi dito, o avião era controlado em solo. Tal modelo tinha a capacidade voar acima dos 90000 pés com uma velocidade acima de Mach 3.

Para o lançamento do drone D-21 era necessário a utilização de outro avião tripulado, no caso em questão o Lockheed A-12 ou SR-71, devido a isso o A-21 ficou conhecido como MD-12. Mas nada foi perfeito, em um dos testes feitos com o drone houve um acidente onde se perdeu por completo o MD-12, e o investimento colocado nele, para a substituição foi criado o D-21B.

Um fato interessante do D-21B era que ele poderia ser lançado de um avião nem supersônico, nem hipersônico. Dois B-52H foram motivados para o transporte e lançamento dos drones, no caso do SR-71 somente próximo aos 74000 pés era acionado o motor que permitia levar o D-21B aos 80000 pés.

O drone D-21B tinha a mesma missão, era equipado com câmeras, voava alto e rápido até o território inimigo, fazia toda a varredura fotográfica do território, sem colocar em segurança vidas humanas na missão. Porém mais uma vez não foi muito para frente após algumas falhas e perda das câmeras nas missões de treinamento, o programa já girava por volta dos US$ 5,5 milhões (valores da época), com isso o projeto do drone-espião foi cancelado no ano de 1971, alguns desses D-21B foram armazenados nos EUA.

 

Futuro

Foto – USAF

O mundo dos Stealths gerou descendentes para desenvolver tecnologias do futuro, a primeira tentativa dos EUA nessa área depois de criar o SR-71 foi com o Lockheed F-117, que já aproveitava alguns conceitos para ser quase invisível dos radares, outro bombardeiro, o B-2, também foi desenvolvido do zero pensando exclusivamente na remota possibilidade dele aparecer em algum radar.

Os atuais caças de quinta geração como o F-22 e F-35 também tiveram esse foco central em otimizar a estrutura e sistemas para retardar o reconhecimento da aeronave por radares. A Rússia também está participando dessa geração, com o PAK FA, que estará operacional a partir de 2018.

Recentemente a Lockheed Martin relatou que está pronta para substituir o SR-71, criando um conceito chamado SR-72, capaz de voar com o dobro de velocidade e ser totalmente protegido de ataques de mísseis. Com satélites de alta resolução e mísseis balísticos intercontinentais de alta precisão, o novo projeto pode nem sair do papel, ao menos que justifique tal gasto do Governo Americano.

 

Texto produzido conjuntamente por Pedro Viana e André Magalhães.

 

Vídeo – Tsybin RSR

 

Vídeo – SR-71

 

Quer receber nossas notícias em primeira mão? Clique Aqui e faça parte do nosso Grupo no Whatsapp ou Telegram.

 

Pedro Viana

Autor: Pedro Viana

Engenharia Aerospacial - Editor de foto e vídeo - Fotógrafo - Aeroflap

Categorias: Artigos, Artigos, Militar