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Como funciona o famoso paraquedas do Cirrus SR22?

por Micael

Cirrus

É possível que você que lê esta matéria ainda não tenha voado em um Cirrus SR20 ou SR22, mas muito provavelmente já ouviu falar desse avião monomotor que popularizou o termo “avião com paraquedas”. Aliás, toda vez que me perguntam qual aeronave voo e cito seu nome, muitos leigos não se lembram do modelo em si, mas ao mencionar que a aeronave possui um paraquedas, rapidamente aparece uma cara de espanto com curiosidade, e, claro, uma enxurrada de perguntas de como funciona – isso sem falar das perguntas do por que não instalam o mesmo sistema em aeronaves comerciais que eles viajam  (mas isso é papo para outro artigo).

Confira um review COMPLETO do Cirrus equipado com esse sistema:

O equipamento, conhecido como CAPS (Cirrus Airframe Parachute System) nada mais é que um sistema de paraquedas que permite à aeronave com todos os ocupantes dentro retorne ao chão de forma controlada e segura. Tal sistema ajudou a fabricante Cirrus Design (de uns anos pra cá denominada Cirrus Aircraft) a popularizar seu monomotor a pistão no meio aeronáutico.

O fato dos Cirrus terem uma camada a mais de segurança (ou, como costumo dizer, mais uma chance), encheu os olhos de amantes de outras marcas a preferirem o moderno avião, fazendo-o vender como pão quente frente aos concorrentes, já consagrados. Isso é tão verdade que a empresa lidera a venda de aviões dessa classe há anos, fazendo com que recentemente pudessem comemorar a marca de 8000 Cirrus SR20 / SR22 vendidos. Um recorde, em termos de quantidade em pouco tempo.

Mesmo que você voe outros modelos de aeronaves (ou irá voar), é interessante entender um pouco como este dispositivo foi desenvolvido, como funciona, suas limitações e outras curiosidades – pois, bem provável, você ainda irá voar em um deles. Afinal, sem concorrentes à altura até o momento, as boas vendas dessa série de aviões permanece firme, sendo o mercado brasileiro o mais importante para a montadora, ficando atrás apenas do norte-americano.

O PROPÓSITO E DESENVOLVIMENTO DO CAPS

O desenvolvimento do sistema se deu, pelo menos oficialmente, por uma necessidade que a empresa identificou no mercado à época de maior segurança em aeronaves monomotoras, especialmente após um acidente ocorrido em 1985 com Alan Klapmeier (um dos fundadores da Cirrus Design), onde seu avião perdera mais de um metro de asa e parte do aileron após uma colisão em voo com outra aeronave, vitimando o outro piloto. Após este susto, os irmãos Klapmeier  decidiram desenvolver um dispositivo que pudesse trazer a aeronave de volta ao solo em segurança.

Além desse fato, especulou-se no meio aeronáutico que tal dispositivo fora desenvolvido  também pelo fato de que a linha SR tinha uma razão de planeio inferior às aeronaves no mercado naquela época, devido a asa possuir um perfil mais esguio, “fino”, que privilegiava maior velocidade em detrimento a um glide ratio maior , diferentemente de Cessna 172, Beech Bonanza, etc, seus concorrentes, e que poderiam encontrar alguma dificuldade na hora de uma pane de motor e de certificar o avião junto ao FAA (Federal Aviation Administration) e demais entidades ao redor do mundo. A fabricante, no entanto, nega este fato.

O sistema de paraquedas teve seu desenvolvimento iniciado em meados de 1990 como uma adaptação a um já em desenvolvimento chamado GARD (General Aviation Recovery Device), numa parceria entre a Cirrus Design e a Ballistic Recovery System (BRS) para aviões Cessna 150, sendo o primeiro teste ocorrido em 1998, no deserto do sul da Califórnia. Após cumprir os sete in-flight test, realizadas por Scott Anderson (ex piloto de F-16 e piloto de teste da marca), todos com sucesso, a Cirrus recebeu a certificação do projeto pelo FAA, passando, a partir de 1999, a equipar os primeiros Cirrus SR20 de produção.

Cirrus SR22 Cirrus SR22

COMPONENTES DO CAPS

As partes principais que fazem o sistema funcionar são:

• T-Handle – é uma alça em forma de “T” localizado no teto, entre os dois pilotos, mas de fácil acesso a todos na cabine. É ela que ativa o sistema, pois é ligada por cabos até o atuador, atrás do bagageiro, onde localiza-se o paraquedas. Possui um pino de segurança, que evita acionar o CAPS inadvertidamente, devendo ser removido durante o pré-flight checklist.

• Atuador – dispositivo que intermedia o acionamento do T-Handle com o ignitor/foguete. Através de dispositivo com mola, dispara um sinal elétrico para a ignição do foguete.

  • Ignitor / foguete – é um motor (foguete) composto pela case do motor, propelente sólido, oxidante e bocal. Sua função é extrair o paraquedas para fora do avião, por meio da ação de foguete.

    • paraquedas – é o responsável pela descida do avião ao solo, por meio da resistência do ar quando inflado. Fica acomodado dentro de uma parachute bag na parte de trás do bagageiro da aeronave.

  • slider do paraquedas- é uma peça em forma de anel com diversos furos ao redor, que tem, entre outras funções, controlar a abertura do paraquedas através do “escorregamento” dessa peça nos tirantes do paraquedas.

• linhas de suspensão – são cabos ligando a estrutura da aeronave (2 atados na região do berço do motor e 1 na parte traseira do bagageiro) e que fazem a ligação do paraquedas com a aeronave, sustentando-a durante a descida.

Cirrus SR22 Currus SR22 Cirrus SR22 Cirrus SR22

ACIONAMENTO E PRINCÍPIO DE FUNCIONAMENTO

Ao se deparar com uma situação de perigo iminente, e estando abaixo da Vpd (CAPS deploiment speed, entre 133 e 140kt de acordo com a versão), o piloto ativa o sistema puxando para baixo o T-Handle, que está ligado ao Atuador, com uma força de, pelo menos, 45lbs (20kg). Ali, o atuador irá disparar um sinal elétrico para a cabeça do Ignitor. A partir daqui, o princípio de funcionamento é igual ao de foguetes: o ignitor fará com que entre em combustão o combustível sólido (composto por propelente e oxidante) que elevará a temperatura deste combustível a mais de 3000°C, onde os gases dessa combustão serão expelidos pelo nozzle (bocal) a uma velocidade de Mach 6, puxando para fora a caixa contendo o paraquedas. Todo este processo ocorre em aproximadamente 2 segundos.

No momento da extração, para reduzir a velocidade e as forças “Gs” entre o foguete e a caixa do paraquedas, uma corda “sanfonada” chamada incremental bridal se alongará, permitindo a diminuição da velocidade e força de inércia entre a caixa e o bólido. Uma vez fora do ar, a caixa permite que o paraquedas seja aberto, tendo sua velocidade e diâmetro de abertura controlada através do slider do paraquedas, que “escorregará” do ponto mais próximo do paraquedas à fuselagem do avião, para permitir uma inflagem mais homogênea.

Uma vez inflado, dois dispositivos chamados cutter lines romperão uma corda nylon que liberará o cabo preso ao bagageiro, que deixará o avião na atitude ideal para o pouso (de 10° pitch down). A descida ocorre com uma razão de aproximadamente 1700FPM, equivalente a uma queda livre da aeronave a uma altura de 13ft (4m). Do momento em que se aciona o T-Handle até abertura total do paraquedas, a Cirrus informa uma perda de altitude demonstrada de 400ft (até G3) ou 560ft (G5 em diante).

A fim de assegurar a integridade dos ocupantes quando o sistema CAPS é acionado, o Cirrus possui trens de pouso desenhados para absorver grande parte da força de impacto, somado a isto a estrutura interna dos bancos são do tipo honeycomb, onde este tipo de assento oferece maior proteção à coluna, uma vez que no momento do impacto pode receber uma força de até 19 Gs.

Por fim, cintos de segurança com airbags nas laterais mais próximas das portas permitem maior proteção em casos de impacto contra as janelas e colunas próximas dos sidesticks, somando-se à estrutura com deformação programável, deixa os aviões da linha SR20/SR22 extremamente seguros.

QUANDO USAR O SISTEMA?

O equipamento foi projetado para ser usado a qualquer momento que o piloto julgar mais conveniente, especialmente quando sua sobrevivência estará em risco iminente. Porém, como são inúmeras as situações para que acidentes possam ocorrer, devemos  ter em mente que há dois cenários onde esta ativação poderá ser necessária:

1 – ativar o CAPS imediatamente:
      – colisões em voo
      – parafusos
      – perda de controle
      – falha de motor entre 500/600ft e 2000 ft AGL
      – não exista alternativa de sobrevivência

2 – Considerar ativar o CAPS:
      – falha de motor acima de 2000ft AGL

Os casos do primeiro cenário são muito simples de ser entendidos, requerendo poucas explanações. Já o segundo, é conveniente lembrar que existe uma “Altitude de Decisão”, que é uma altura teórica de 2000 ft recomendada pela fábrica em que o piloto deverá tomar uma decisão antes de chegar até ela. Tal altura tem como objetivo garantir uma camada vertical de segurança onde o CAPS terá tempo para ser acionado e inflado apropriadamente (ao ativar o sistema a partir de 2000 ft, a aeronave leva aproximadamente 1min até chegar ao solo).

Um exemplo: suponhamos que você esteja voando a 10.000ft de altitude e o motor de seu Cirrus pare. Você poderá utilizar a velocidade de melhor planeio (que consta no manual da versão do seu avião) enquanto plana até um local ideal para um pouso forçado, como uma pista. Enquanto navega para aquele local, lendo o manual, há a possibilidade do restarting engine, se o tempo permitir. Em caso positivo de reacionamento antes dessa altura de 2000 ft, o uso do paraquedas sem necessidade será evitado.

De outra forma, neste mesmo cenário e o motor não puder ser reacionado, o piloto terá uma altura de aproximadamente 8000 ft AGL até chegar na altitude limite da “Decision Altitude” onde o CAPS deverá ser acionado. Durante essa descida, é altamente recomendado realizar o CAPS Activation Checklist, preparando aeronave e ocupantes para o touch down.

Outra situação que pode ocorrer é quando a falha do motor se dá após a decolagem. Segundo a empresa, o sistema estará disponível (o famoso termo CAPS AVALIABLE) para alturas acima de 500 ft AGL (até o G3) e 600 ft (G5 em diante, por ter maiores pesos de decolagem). Para tanto, uma das instruções que sempre aplico a alunos e/ou pilotos proprietários é que somem estes valores à elevação do aeroporto durante o briefing pré-decolagem. Exemplo: se decolando do Campo de Marte (SBMT), cuja ELEV da pista é de 2.371 ft, fale verbalmente “CAPS disponível – 2.870 pés”. Isso fará com que, numa situação de falha de motor após a decolagem, onde o tempo é escasso, o valor específico de abertura do paraquedas à versão do seu Cirrus já esteja mentalizado, evitando fazer contas em momento inoportuno.

Lembrando que estando abaixo da altura de abertura do paraquedas durante a decolagem, a regra de ouro da aviação continua a mesma: pane com pista disponível à frente – pouso com full flape na pista. Sem pista à frente – pouso em frente, de preferência para o lado do vento, desviando de obstáculos com curvas de, no máximo, média inclinação. Não tente retornar à pista.
Cirrus SR22 Cirrus SR22

O QUÊ OS PASSAGEIROS DEVEM SABER?

Também é bastante prudente fazer um briefing com passageiros que voam a máquina pela primeira vez sobre o procedimento a ser realizado numa eventual situação de pilot incapacitation, quando ocorre uma colisão com pássaros grandes, perda dos sentidos ou mesmo colisão com outra aeronave do lado piloto.

Neste caso, é conveniente:
• descrever brevemente o sistema
• ensinar como cortar o motor pela mistura (objetivando reduzir a velocidade da máquina para abaixo da Vpd e também evitar entrar em atitude anormal)
• assegurar de estar com cintos atados
• puxar o T-Handle
• destravar as portas (caso haja tempo)
• segurar ambas as pernas com as mãos presas pelos punhos sobre os joelhos

Após o toque no solo, ensinar a:
• usar o martelo acondicionado dentro do porta-objeto entre os bancos, quebrando a janela – caso a porta tenha se fechado ou esteja emperrada por alguma torção na fuselagem do avião
• afastar-se do avião pelo lado que sopra o vento, evitando, dessa maneira, ser encoberto pelo paraquedas
• caso não haja pessoas que possam ajudar, e não havendo risco de incêndio, auxiliar na remoção de outros ocupantes

Com estas informações para os passageiros, o propósito do sistema estará ainda mais assegurado.

Cirrus SR22 Cirrus SR22

EFICIÊNCIA DO SISTEMA

O primeiro acionamento do sistema CAPS após o início das vendas ocorreu em 2002, em Lewisville, no Texas, devido uma pane de motor. O piloto saiu ileso a bordo de seu SR22.
Este foi uma das 122 vezes que o dispositivo foi acionado (até Maio de 2021), sendo que 104 acionamentos ocorreram de forma bem sucedida. Dentre essa diferença (18) estão computados casos onde o equipamento foI aberto fora dos parâmetros de velocidade e altura, além de situações que o dispositivo foi acionado inadvertidamente em solo, incêndios pós-impacto e outros motivos. Somente em 2018, 19 aeronaves que acionaram o sistema foram postas de volta ao serviço.

Por fim, destes 104 acionamentos bem sucedidos, com 212 vidas salvas com o uso do Cirrus Airframe Parachute System, faz da Cirrus Aircraft a detentora dos melhores recordes de segurança da indústria da aviação mundial, comprovadamente. Um feito e tanto, que eleva a confiança de quem voa um Cirrus.

Cirrus SR22 Cirrus SR22

 

 

 

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Autor: Micael Rocha

Micael Rocha foi instrutor de voo por quatro anos, é copiloto de CJ1, CJ3 e C208B Caravan e voa aeronaves Cirrus SR22 desde 2013. @aeroereview

Categorias: Aeronaves, Artigos, Artigos, Aviação Geral

Tags: Cirrus Aircraft, usaexport