A manutenção aeronáutica e a filosofia On Condition: Segurança de voo X economia financeira

manutenção aeronáutica

O art. 87 da lei nº 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica – CBAer) estabelece que a prevenção de acidentes aeronáuticos é de responsabilidade de todas as pessoas, naturais ou jurídicas, envolvidas com a fabricação, manutenção, e operação de aeronaves.

Considerando a relevância dos custos de manutenção dos motores, a escolha da respectiva filosofia de manutenção ganha grande importância: estima-se que só os custos de manutenção de aeronaves representam até 15% das despesas de operação de uma cia aérea, dos quais quase 40% são dos motores correspondentes.

Ao invés de intervenções de manutenção com intervalos definidos, programados, que deixam os motores fora de operação por tempo considerável, com altos custos atrelados, a filosofia On Condition parte do pressuposto da implementação de um programa robusto de manutenção, inspeções e monitoramento da vida dos motores com a finalidade de acompanhar a condição de funcionamento e a sua razão de deterioração, possibilitando, assim, uma intervenção preditiva no motor no momento mais oportuno, elevando a utilização do motor em serviço ao máximo possível.

Mas essa filosofia de manutenção On Condition, ao representar uma maior economia financeira e otimização da utilização do motor afetaria a segurança de voo e a confiabilidade?

Nessa mesma linha, recentemente tivemos a aprovação da Instrução Suplementar ANAC n. 91.409-001, Revisão B, (IS nº 91.409-001B), intitulada “Manutenção de aeronaves, tempo recomendado entre as revisões gerais”, através da Portaria n. 2379/SAR, publicada no DOU em 18/09/2020.

Em que pese o RBAC 91 não apresentar regras específicas para o cumprimento dos tempos (intervalos) recomendados entre as revisões gerais (TBO – “Time Between Overhaul”), a IS nº 91.409-001 relaciona as orientações que devem ser atendidas por esses operadores.

Isso significa que não é mais necessária a Revisão Geral de motor e seus componentes básicos quando se atinge o TBO recomendado pelo fabricante do motor?

Inicialmente, importante mencionar que nos motores com programa de manutenção Hard Time, normalmente são previstas duas intervenções programadas de manutenção: a “Inspeção da Seção Quente” (do Inglês Hot Section Inspection), realizada em um intervalo horário específico, geralmante recomendado para ser realizada na metade do tempo previsto para o TBO; e uma segunda, que é a própria Revisão Geral (Overhaul). Por outro lado, em motores com manutenção na modalidade “On Condition” não é requerida, a priori, uma intervenção na Seção Quente ou uma Revisão Geral pré-definida (quando o programa On Condition assim o especificar) para que o motor continue em operação — o programa exige intervenção técnica de manutenção apenas quando há a identificação de discrepâncias através de inspeções de rotina ou quando os dados de monitoramento indicam uma mudança abrupta e repentina de um ou mais parâmetros operacionais do motor (esta mudança é denominada “step change”) ou uma pequena e sutil deterioração de um ou mais parâmetros operacionais do motor ao longo de sua operação, porém importante, consistente e permanente ao longo do tempo, ou quando algum dos seus componentes (geralmente internos e rotativos) alcançam a sua vida útil máxima de serviço conforme recomendado pelo fabricante do motor. Em qualquer destas hipóteses, a ação de manutenção é mandatória sob pena de um reporte de falha operacional ou condição anormal de operação do motor.

Portanto, uma intervenção técnica de manutenção em um motor sempre será necessária, apesar do mesmo estar sob a modalidade de Manutenção “On Condition”. A flexibilização do momento mais oportuno para a realização das ditas tarefas será função direta da robustez e acuracidade do sistema de monitoramento, do plano de manutenção e inspeção, assim como da qualificação e experiência técnica da equipe de manutenção e dos responsáveis pela criteriosa análise dos dados oriundos do sistema de monitoramento, para que os alertas de ação de manutenção com ações pontuais e bem definidas de pesquisa e resolução de panes sejam levantadas ao tempo e ao momento.

Mas como reconhecer a obrigatoriedade de mandar fazer uma Revisão Geral (Overhaul)?

De acordo com o item 5.3.1, IS nº 91.409-001B: “Para identificar se a execução da Revisão Geral dentro da frequência recomendada pelo fabricante é considerada mandatória pela ANAC, deve-se verificar se a recomendação do fabricante para o TBO está descrita na seção Airworthiness Limitations do respectivo Manual de Manutenção do Motor, ou ainda, se essa frequência foi determinada através de uma Diretriz de Aeronavegabilidade emitida pela autoridade competente. Do contrário, tal prazo é considerado pela ANAC apenas como recomendação do fabricante, e, portanto, de cumprimento facultativo.”

A adoção da manutenção On Condition tem a possibilidade de conferir uma grande economia financeira aos operadores no médio e longo prazo, além de proporcionar flexibilidade para a melhor escolha do momento para a realização de uma determinada tarefa de manutenção, minimizando-se as despesas com reparos, tempo de inatividade para realização da intervenção e maximizando a disponibilidade e utilização dos motores e seus componentes. Entretanto, caso esta filosofia seja utilizada de forma não criteriosa, fora dos padrões de qualidade, e buscando apenas maximizar a utilização do motor até que o mesmo apresente um reporte de falha ou problema operacional – conhecido no mercado como filosofia “On Destruction”, os prejuizos gerados serão vultuosos sem mencionar que os gastos com manuteção irão certamente crescer em uma razão exponencial, pois esta que seria realizada no conceito de manutenção preditiva será então implementada na modalidade de manutenção corretiva, podendo trazar efeitos e danos colateraias a outras áreas do motor que em  princípio não seriam acessadas, caso o alerta de ação de manutenção fosse gerado no momento oportuno em função da análise dos dados oriundos do sistema de monitoramento.

Do ponto de vista prático para alguns operadores, a metodologia On Condition pode ou não ser a mais recomendada, considerando, ainda, a estrutura necessária para a sua implementação e o esforço operacional pretendido. Entretanto como boa prática de manutenção e operação, é muito importante a implementação de um programa de monitoramento para acompanhar a saúde e o desempenho dos motores ao longo de todo o seu ciclo de vida, possibilitando a identificação de problemas de forma precoce e tornando a ação de manutenção mais eficiente e econômica.

Sob o prisma regulatório, o nível mínimo requerido de manutenção e de segurança de um produto ou artigo aeronáutico é garantido pelo cumprimento dos procedimentos normais de manutenção dentro das frequências estabelecidas pelos fabricantes (diário, pré-voo, pós-voo, checks de 25, 50, 100 horas, etc.). O proprietário/operador é responsável por garantir as condições mínimas de segurança da aeronave, isto é, ele é responsável por assegurar uma avaliação que verifique se não há indicações de decréscimo de desempenho da aeronave, motor, hélice ou equipamentos (partes, acessórios, instrumentos e demais componentes) e, se para corrigir esse decréscimo de desempenho, é necessária a revisão geral recomendada. A seção 5.1.1 da IS nº 91.409-001B, retro transcrita esclarece essa questão.

Por fim, considerando o debate aqui proposto, e sob as premissas da confiabilidade, e da segurança de voo, a manutenção On Condition deve vir acompanhada da implementação de um programa robusto e acurado de monitoramento, possibilitando a identificação de problemas de forma precoce, tornando a ação de manutenção eficiente, proporcionando elevados índices de confiabilidade, otimização e aumento na disponibilização dos motores com a consequente redução nos seus custos operacionais.

IVAN DILLY

Chief Legal Counsel & Founder

www.dilly.adv.br

 

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Ivan Dilly Chief Legal Officer & Founder Ivan Dilly | Advocacia, boutique jurídica para as indústrias da aviação, aeroespacial e assuntos governamentais e defesa. Assumiu por mais de uma década a gestão jurídica/compliance na América do Sul para o Grupo Rolls-Royce. Possui mestrado (LL.M., Business Law) pela University of California, Berkeley – School of Law/USA, MBA pela FIA – Business School SP, e especializações pela Stanford University/USA, Harvard Law School/USA, Academia de Direito Internacional de Haia/Holanda, PUC-SP/Brasil e Universidade Mackenzie/Brasil. Foi reconhecido pela Legal 500’s GC Powerlist for Brazil como um dos advogados mais influentes e inovadores (2016), e pela Legal 500’s GC Powerlist Brazil: Teams como um dos melhores times jurídicos no Brasil (2017 e 2019). É nomeado membro exclusivo do IR Global para o Direito Aeronáutico no Brasil.