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Carnaval em Veneza: como uma marchinha virou um hino da FAB

P-47 FAB Senta a Púa Caça

Dentro da Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira (FAB), um meio rico em tradições e história, o cancioneiro é um dos aspectos de maior legado, sendo transmitido entre as gerações de caçadores desde a sua própria fundação em meio à Segunda Guerra Mundial. 

Mas dentre as inúmeras canções, uma tem destaque e está entre as mais importantes do conjunto (se não for a mais importante). Carnaval em Veneza, que veio de uma marchinha de carnaval e hoje é o hino oficial da aviação de caça da FAB. Qualquer militar da Aeronáutica, seja piloto, especialista ou um moderno soldado, vai cantar Carnaval em Veneza em algum momento. 

Caças P-47D Thunderbolt da Esquadrilha Azul do 1º Grupo de Aviação de Caça. Foto: FAB.

Mas como uma simples marchinha virou uma canção tão importante para a Força Aérea? Para entender isso, precisamos voltar aos últimos dias da Guerra, em 1945. 

O dia 07 de fevereiro de 1945 caiu numa quarta-feira de cinzas. Naquela manhã, os Jambocks do 1º Grupo de Aviação de Caça (1º GAvCa) decolaram para mais uma missão na Itália, sendo esta a de Nº 207.

Oito caças P-47D Thunderbolt, formando duas esquadrilhas, partiram da base aérea de Pisa, tendo como alvo uma ponte do entroncamento ferroviário na comuna de Ponte de Piave, na província de Treviso, região de Vêneto. Nos comandos dos caças estavam os seguintes pilotos:

  • Capitão Aviador Newton Lagares da Silva, líder da primeira esquadrilha 
  • Tenente Aviador José Rebelo Meira de Vasconcelos, ala do Cap. Lagares
  • Tenente Aviador Luiz Felipe Perdigão Medeiros da Fonseca
  • Tenente Aviador Paulo Costa, ala do Ten. Perdigão 
  • Capitão Horácio Monteiro Machado, líder da segunda esquadrilha
  • Tenente Pedro de Lima Mendes, ala do Cap. Horácio
  • Tenente Rui Barbosa Moreira Lima
  • Tenente Alberto Martins Torres, ala do Ten. Lima

Às 10h10 as aeronaves chegaram no alvo, e despejaram um total de 16 bombas de demolição de 500 libras, em bombardeio picado (mergulho), destruindo a ponte em cinco pontos diferentes. Após o bombardeiro, os aviadores saíram à caça de alvos de oportunidade para engajá-los com suas metralhadoras AN/M2 calibre .50.

“Um souvenir da FAB.” O 2º Tenente Eduardo Coelho posa com uma bomba de 500 libras montada na asa de um dos P-47D do Grupo. Foto: FAB.

Um veículo foi destruído ao sudeste de Pádua, além de outros três ao leste de Veneza, com danos contra uma carroça e um barco a vapor de 100 pés (cerca de 30 metros). Mas ao atacarem duas posições de artilharia antiaérea, os alemães responderam com fogo pesado de diversos pontos. 

“Foi justamente próximo a Maestre, pequena vila situada na área de Veneza, que o Lima Mendes viu, atacou e destruiu uma posição de Artilharia Antiaérea alemã. A reação dos tedescos foi violenta, só não atingindo a esquadrilha por pura sorte desta”, contou o Major-Brigadeiro Moreira Lima, falecido em 2013.

Os aviadores brasileiros cumpriram a missão e retornaram à base em Pisa. E é lá que nasce a nossa canção. Após o pouso, os Jambocks se reuniram no Albergo Nettuno, um bar da histórica cidade que também era o alojamento dos aviadores do 1º Grupo de Caça. 

Senta a Púa Itália
Tenente Perdigão, Capitão Lagares, Tenente Meira e Capitão Theobaldo Antonio Kopp em frente ao Albergo Nettuno. Foto via grupo Heróis da II Guerra Mundial – Senta a Pua!

“Ao regressarmos a Pisa, paramos no Bar do Albergo Nettuno para uma cerveja. Nesse instante os músicos do hotel estavam tocando “Funiculi Funicula”, música semelhante ao nosso “Carnaval em Veneza”, marcha de grande sucesso em sua época”, relatou o Brigadeiro. 

A marcha a qual o Brigadeiro Rui se refere é “A Dança do Funiculi”, cuja melodia composta por Herivelto Martins e Benedito Lacerda era inspirada na canção música napolitana Funiculì funiculà, composta em 1880 por Luigi Denza e Peppino Turco. Funiculì funiculà ainda é uma das canções mais famosas da Itália, junto com a Tarantela napolitana.

Para celebrar os resultados da missão, Lima convidou seus colegas Perdigão, Meira, Aspirante Fernando Correa Rocha e o Capitão Roberto Pessoa Ramos para criarem a sua própria versão da marchinha carnavalesca, contando a história da missão Nº 207. 

“Daí por diante não nos foi difícil colocar a letra na música. Procuramos apenas descrever a missão, com naturalidade e, como tudo que nasce espontaneamente, as palavras se ajustaram à canção, tornando-se o Hino do 1o Grupo de Caça na Itália. No dia seguinte lançamos o “Carnaval em Veneza” no “Clube Senta a Pua” com entusiásticos ADELFIS (saudação do Grupo de Caça) e tilintar de copos de diferentes bebidas”.

E assim ficou a letra de “Carnaval em Veneza”. 

Passei o Carnaval em Veneza
Levando umas bombinhas daqui
Caprichei bem o meu mergulho
Foi do barulho, o alvo eu atingi

Bingo!

A turma de lá atirava
Atirava sem cessar
E o pobre jambock pulava
Pulava e gritava sem desanima, assim:
Flak, flak, este é de quarenta
Flak, flak, tem ponto cinquenta

Um Bug aqui um Bug” lá
Um Bug aqui um Bug lá
Senta a Púa minha gente
Que ainda temos que estreifar.

Um Bug aqui um Bug” lá
Um Bug aqui um Bug lá
Senta a Púa minha gente
Que ainda temos que estreifar!

Mesmo diante dos horrores da guerra, “uma matança cruel e injusta”, como descreveu o Brigadeiro Rui, os Jambocks ainda mantinham o bom humor e levavam consigo as tradições do Brasil. 

A letra do hino dos pilotos de caça brasileiros é recheada de referências à missão, e até hoje é cantada com muita vibração por militares e até mesmo entusiastas. 

Bombinhas as bombas de 500 libras usadas para atacar a ponte. 
A turma de lá — os alemães, também chamados de tedescos. 
Bingo — Expressão enérgica usada para indicar acerto no alvo.
Jambock — Era o código-rádio usado pelo 1º GAvCa na Itália. A palavra tem origem na Indonésia e se refere a um chicote feito de couro de rinoceronte, chamado de “sjambok”. A palavra ainda é usada como callsign pela unidade e se tornou o nome do 1º Esquadrão do 1º GAvCa, apesar da unidade ser mais referida e conhecida pelo seu grito de guerra: “Senta a Púa!”
Pulava — atitude dos pilotos em manobrar os P-47 para “desviar” da artilharia alemã.
Flak — Sigla para Fliegerabwehrkanone ou Flugzeugabwehrkanone, que significa Canhão para Defesa contra Aviões, em alemão. 
Este é de quarenta; tem ponto cinquenta — Referência ao calibre das flaks alemães. No entanto, o Exército Alemão não empregava artilharia antiaérea em calibre .50, como acreditavam os aviadores brasileiros. 
Bug — Um código usado pelas forças aéreas aliadas durante a Segunda Guerra, indicando uma aeronave inicialmente não identificada. Caso o avião fosse inimigo, deixava de ser Bug e passava a ser chamado de Bandit.
Senta a Púa — Grito de guerra do 1º GAvCa.
Estreifar — Aportuguesamento do inglês “Strafing” ou “Strafe”que é a ação de atacar alvos em solo usando as metralhadores ou canhões de uma aeronave.  

Fontes: portais Jambock, Sentando a Púa, ABRA-PC e o livro Senta a Púa! de Rui Moreira Lima.

 

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Gabriel Centeno

Autor: Gabriel Centeno

Estudante de Jornalismo na UFRGS, spotter e entusiasta de aviação militar.

Categorias: Artigos, Militar, Notícias

Tags: fab, P-47, Segunda Guerra Mundial, Senta a Púa, usaexport