CEO da ALTA comenta sobre a possibilidade de cobrança de bagagem despachada no Brasil

Bagagem ALTA

Caros colegas,

Nesta edição do Flying Over Latin America and the Caribbean, gostaria de compartilhar algumas reflexões sobre uma situação que estamos enfrentando no Brasil e que tem um impacto profundo na recuperação das viagens no País e na região.

Trata-se da obrigação de incluir bagagem despachada na compra de passagens aéreas, medida proposta pelo Partido Comunista do Brasil, que foi novamente aprovada pelo Congresso Nacional em maio passado e que agora depende do veto do Poder Executivo.

Com quase 10 anos trabalhando na aviação, participei pessoalmente de projetos que conseguiram incentivar um mercado mais competitivo e aberto no Brasil, alinhado aos padrões globais.

Em 2017, na ANAC, participei do processo que levou à aprovação da desregulamentação de bagagens para voos nacionais e internacionais no País, ano em que a taxa real média de passagens domésticas (atualizada pela inflação) encerrou em 357,16 reais (cerca de 100 dólares no câmbio desse momento), sendo o menor custo registrado desde 2011.

Desde então, assistimos a um crescimento exponencial do número de passageiros no País, apenas momentaneamente reduzido pelas restrições decorrentes da pandemia. Ainda assim, em 2021, algumas empresas ultrapassaram o número de passageiros domésticos de 2019 e estamos cerca de 90% recuperados, reafirmando a necessidade essencial do transporte aéreo neste País de dimensões continentais. Uma necessidade real, mas que ainda é sensível ao preço.

A aprovação desta medida terá um efeito profundamente prejudicial para toda a população brasileira, para a economia que tenta recuperar-se, para a criação de empregos e oportunidades, e para o quotidiano das pessoas que dependem deste meio de transporte, especialmente nas províncias do Norte e Nordeste do País, que dependem fortemente da conectividade aérea.

É por isso que na ALTA reiteramos que a aprovação da franquia obrigatória de bagagem despachada representa um retrocesso no caminho de desenvolvimento que temos percorrido para democratizar o transporte aéreo e torná-lo um serviço cada vez mais inclusivo. A aprovação desta medida impediria a oferta de níveis tarifários mais acessíveis que permitam mais pessoas a terem acesso a um serviço essencial, seguro e eficiente.

Aprovar esta medida significaria obrigar todos os passageiros a pagar por um serviço mesmo que não o utilizem, mesmo que não o queiram. Sim, pagar por um serviço, já que não há serviços – em nenhuma indústria – que não representem custos. Devemos encarar a verdade e parar de repetir que a bagagem será gratuita.

Só porque não vemos o custo da gestão de bagagem em todas as etapas do voo, isso não significa que seja gratuito. Atualmente, as páginas das companhias aéreas nos permitem escolher entre famílias de tarifas que atendem diferentes níveis de serviço com seus respectivos custos para que seja o passageiro quem possa escolher o que deseja. O que está acontecendo no Brasil significa que todos os passageiros devem pagar o custo de um serviço – querendo ou não – sem poder escolher uma opção mais barata.

Essa medida teria ainda um impacto significativo no transporte aéreo de carga, tão importante para as cadeias de abastecimento que beneficia a população diariamente. Isso acontece porque 50% da carga aérea é transportada nos porões dos aviões de passageiros.

Devemos considerar que, se esta medida for aprovada, as companhias aéreas terão que reservar um espaço para uso do porão da aeronave com bagagem incluída nos bilhetes, mas isso com a incerteza de que os passageiros realmente vão usar o serviço de bagagem despachada. Isso reduziria o espaço dedicado à carga e, portanto, a disponibilidade para o transporte de mercadorias e a rentabilidade.

A rentabilidade nesse sentido é um ponto que afeta diretamente os passageiros, pois um número representativo de rotas é rentável não pela venda de passagens, mas pela carga transportada no avião. Isso teria um impacto na conectividade e no desenvolvimento da malha aérea que traz oportunidades até mesmo para lugares remotos.

A população merece o direito de ter a opção de escolher quais serviços deseja consumir, desde o que pede em um estabelecimento de alimentação, até quais serviços deseja no momento do voo.

A incerteza, a falta de segurança jurídica e os custos mais elevados colocam o Brasil em um contexto pouco competitivo para que mais operadoras possam oferecer outras e melhores opções e que cada vez mais pessoas possam utilizar o meio de transporte mais seguro.

A aviação é um importante catalisador para a economia, é um mercado extremamente dinâmico, mas muito sensível aos custos. Uma tarifa mais cara pode afastar milhares de pessoas das viagens aéreas, aproximando-se das viagens terrestres, que podem levar até três vezes mais tempo e que, em alguns casos, não é nem viável chegar a determinados destinos.

Com esta reflexão, convido a todos a serem porta-vozes de informações baseadas em dados. Não há serviços gratuitos. No cinema, pedir um refrigerante tem um custo; num hotel, a escolha de um quarto com certas características tem um custo. Na aviação é a mesma coisa. Escolher o que, quanto e como quer pagar é um direito do consumidor, e a bagagem é um exemplo disso.

Eu aprecio sua leitura e gostaria muito de ler as suas perspectivas.

 

Até um próximo voo,

José Ricardo Botelho

 

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José Ricardo Botelho é advogado, graduado pela Universidade Católica de Salvador, Brasil, com experiência na aviação civil e no serviço público.

Antes de ingressar na ALTA, em 1º de junho de 2020, José Ricardo atuou por 4 anos como diretor-presidente da Agência Nacional de Aviação Civil do Brasil (ANAC), instituição que, sob sua liderança, atingiu marcos importantes que resultaram no ambiente regulatório atual, eficiente e capaz de proporcionar maior competitividade ao mercado aéreo brasileiro.