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Como ser um Instrutor de Voo melhor?

“Ensinar é aprender duas vezes”, dizia o escritor e moralista francês Joseph Joubert, nascido em 1754. O que nós, que temos pela aviação uma paixão, poderíamos acrescentar à frase seria “Ensinar a voar é aprender e amar o que faz duas vezes”. E isto se encaixa como uma luva para aqueles que têm, tiveram ou terão a oportunidade de atuar na aviação como Instrutor de Voo de Avião (INVA ou, no caso de asas rotativas, INVH).

Essa profissão produz naqueles que a exerceram uma sensação única de saber que está ajudando a construir a base profissional de todo piloto, pois todos tiveram de passar um dia pelos ensinamentos de um instrutor. Se hoje você voa a bordo de grandes aeronaves cruzando os céus pelo mundo, aqueles profissionais dentro da cabine foram formados por instrutores de voo, e até vários deles já foram INVAs no passado.

Embora seja uma profissão muito honrosa e necessária, os instrutores (e instrutoras) de voo nem sempre são valorizados como merecem. Salários baixos, escalas e folgas que não são seguidas como deveriam, operação em aeronaves antigas e desgastadas pelas características de seu uso, exposição a manobras executados por alunos sem experiência são apenas alguns dos empecilhos que os INVAs rotineiramente experimentam, fazendo dessa profissão, na maioria esmagadora dos casos, apenas um trampolim para acumular horas de voo para pleitear uma vaga numa empresa aérea ou aviação particular. Por isso, é comum encontrar profissionais desmotivados para a função e até sem subsídios técnicos ou pedagógicos para ensinar algo tão complexo e dinâmico como voar.

Neste segundo ponto, posso dizer que fui uma pessoa de sorte, pois minha primeira formação técnica fora justamente o Magistério, onde aprendi, nas aulas de Didática, Psicologia da Educação e Metodologia de Ensino o know-how para ensinar matérias fora da grade curricular escolar. No Magistério, aprendemos como o cérebro humano aprende as coisas e como transmitir o que sabe – matérias pedagógicas estas que me ajudaram bastante na instrução aérea.

Aproveitando o fato de ter tido a honra de ter sido um INVA por quatro anos em aeroclube no interior paulista, passo a sugerir 11 conselhos que podem ajudar aqueles que têm o desejo de trabalhar como instrutor também, ou mesmo, aos nobres colegas que hoje já exercem esta vocação. Obviamente, trata-se de conselhos, sem qualquer intenção de serem a última palavra da verdade ou razão, pois o que prevalece é o que está no MGO da escola e/ou Manual de Manobras publicado.

Faço votos que estes tópicos possam de alguma forma ajudar a fazer dessa fase profissional uma das mais gratificantes e saudosas como foi para mim, onde pude colecionar não apenas alunos, mas sim grandes alunos-amigos até os dias de hoje!

1 – CONHECER O MANUAL DE MANOBRAS E A AERONAVE COM PROFUNDIDADE

aviões clássicos Cessna
Foto: TAM AE/Divulgação

Se você se habilita a ensinar a voar, é conveniente que o Manual de Manobras, Manual Geral de Operações da escola (se disponível) e o POH (Pilot Operating Handbook) do avião estejam na ponta da língua.

No decorrer dos anos, o instrutor irá se deparar com muitos alunos meticulosos, exigentes e observadores, que virão para a escola muito bem preparados, e que não irão perder oportunidade de demonstrar isso, especialmente quando reconhece um instrutor mais acanhado e tímido. Proas, altitudes, manobras, limitantes e velocidades da acft, frequências, etc devem estar sempre frescos na memória, pois isto ajuda a transmitir uma imagem de autoridade ao aluno.

Mas atenção: autoridade não significa verborragia, prepotência ou má educação. Caso não saiba responder alguma dúvida do aluno (e prepare-se: eles lhe trarão inúmeras e bem difíceis), seja humilde em dizer que naquele momento não possuem a resposta mas irá trazê-la na próxima aula. E cumpra a promessa, okay?!?

 

2 – DEIXE O ALUNO VOAR!

De novo: DEIXE O ALUNO VOAR! Quando falamos em deixar voar significa deixar o aluno nos comandos da aeronave o máximo de tempo possível, exceto, obviamente, quando está nos primeiros voos ou quando a segurança do voo esteja comprometida.

Este tópico é bem simples de entender: o aluno iniciante está APRENDENDO A VOAR, o que significa que poderá ocorrer de deixar a aeronave desalinhada, com o compensador mal ajustado ou perdendo a proa. Isso são erros que alunos no começo fazem e que, ao longo do tempo, serão eliminados. Ocorre que há muitos instrutores que se sentem incomodados com certos erros e acabam dando “inputs” ou correções constantes no manche, que faz com que o educando acabe “se acostumando” com a ideia de que se a aeronave estiver desalinhada ou a manobra esteja errada, alguém fará o trabalho dele de corrigir. Nesses casos, o ideal é privilegiar os inputs verbais, alertando-o, e não executando a manobra para ele.

Cessna 152 do Aeroclube de Goiás.

Entenda que quanto mais tempo ele estiver nos comandos da aeronave, mais ele vai pegando o “feeling” do comportamento da máquina nas diversas atmosferas, ajudando a adquirir a “memória muscular” do voo. E lembre-se: quem está ali para aprender como voar a aeronave é o aluno, que está pagando um preço altíssimo para estar nos comandos do avião, e, por isso, deve ficar tocando o voo o máximo de tempo possível, salvo, mais uma vez, em nome da segurança do voo.

3 – USE E ABUSE DE RECURSOS DIDÁTICOS VISUAIS E VERBAIS

Este tópico está intrinsecamente ligado ao anterior.
Ensinar algo para uma pessoa requer um ambiente calmo e com pouco ruído, a fim de que a captação do que está sendo passado seja máxima – o que não é, definitivamente, possível quando se está voando num avião a combustão.

A título de exemplo, eu usava muito ambas as mãos em cima do painel, na linha de visão do aluno, simulando a inclinação das asas, pitch, ajuste de potência, etc (quem já voou comigo sabe disso!). Esse recurso didático é muito válido porque permite ao aluno visualizar o que o INVA está instruindo ou corrigindo sem que desvie a visão do horizonte e/ou referência.

Em treinamento de voo por instrumentos, é muito aconselhável que o educador (leia-se instrutor) leve consigo uma cópia da carta ou um papel em branco para mostrar ao aluno ali mesmo, real time, as correções que ele deseja que sejam feitas. Caso seja num tablet, este processo será ainda mais eficaz.

O importante aqui é reduzir possíveis erros de interpretação entre o INVA e o aluno na execução ou correção das manobras IFR.

 


4 – NÃO EXIJA DO ALUNO INICIANTE O QUE VOCÊ LEVOU ANOS PARA APRENDER

Metodologicamente falando, cada indivíduo possui um grau cognitivo para o processo ensino-aprendizagem.

Não adianta uma pessoa querer que outra aprenda da mesma forma que a primeira aprendeu sem conhecer como este mesmo indivíduo absorve as informações, interpreta e as executa. Em outras palavras, ensinar exige uma boa dose de paciência e constância.
Levando-se em consideração estes pontos, não adianta cobrar de um aluno o que você mesmo levou anos para aprender e está fazendo quase que diariamente. Digo isso porque via muitos colegas falando nas Reuniões de Instrutores que “Fulano não mantém a proa…”, “Beltrano não crava a velocidade na manobra de pré-estol…”, “Sicrano não inclina a asa a X graus nas curvas com perfeição…”  e isto sem considerar o fator de em qual estágio da instrução tal aluno está naquele momento.

Esperar do aluno que execute manobras o melhor possível é importante, sim. Porém, deve-se levar em conta que cada indivíduo possui uma forma de aprender, e cabe ao instrutor e ao corpo pedagógico da escola/aeroclube identificar estes pontos deficitários e oferecer outra opção de aprendizado, quiçá até mesmo o chefe de instrutores fazer um trabalho em solo com este aluno para que a qualidade do voo daquele estudante, naquela fase que se encontra, seja alcançada.

Por isso é recomendado que escolas e aeroclubes possuam em seu corpo técnico Gerentes de Qualidade e/ou Coordenadores Pedagógicos com formação específica para esta função.

5 – TODOS OS INSTRUTORES DEVEM FALAR A MESMA LÍNGUA

Se tem uma coisa mais frustrante para um aluno é quando cada INVA que voe com ele ensine coisas diferentes para uma mesma missão.

Obviamente, cada instrutor tem sua técnica metodológica para ensinar, porém, esta não pode sobrepujar o consenso geral dos demais colegas. Neste caso, é fundamental que haja reuniões de instrução constantes para que todos estejam numa mesma sintonia, como por exemplo, o local onde as manobras serão executadas, o grau de eficiência esperada em cada missão, os limitantes máximos a fim de aumentar a segurança, etc. O objetivo aqui é simplesmente acabar com aquele velho problema identificado pelos alunos de que “cada um fala uma coisa”.

Por fim, estas reuniões de instrutores não podem perder a efetividade. Cabe ao corpo técnico da escola (Gestor Responsável, Gerente de Qualidade, Gerente de Segurança Operacional e chefe de instrutores) acompanharem se tais regras e padrões definidos em reunião estão efetivamente sendo cumpridos.

6 – ALUNO DE PRIMEIROS VOOS DEVEM VOAR COM INSTRUTORES EXPERIENTES

Entendo perfeitamente que este ponto não é tão simples de ser aplicado, afinal, como a grande massa, também fui um instrutor com pouca experiência. Colocar um aluno que está prestes a iniciar seus treinamentos IFR, já bem preparado, para voar com um instrutor com pouquíssimas horas de instrução, pode ser complicado, mas seria o ideal.

Isso porque – com todo o respeito -, colocar para voar um INVA que está naquele momento fazendo suas primeiras horas de voo como instrutor e um aluno de primeiro voo (ou primeiros voos) pode ser extremamente perigoso, uma vez que estarão a bordo de um avião duas pessoas inexperientes em suas respectivas posições. Um instrutor mais safo será capaz de identificar e atuar nos comandos da máquina alguma manobra que um instrutor iniciante poderá não conseguir identificar e reagir com a presteza necessária.

Acerca do fato de alunos mais experientes virem a faltar com o respeito com o profissional que está começando (e sim, isso acontece), caberá ao corpo técnico da escola fazer um trabalho de respeito e cordialidade com todos os alunos, desde quando estes entram na instituição para tomarem suas aulas.

7 – NÃO PONHA O VOO EM RISCO AO DEMONSTRAR MANOBRAS E PROCEDIMENTOS

Às vezes, um instrutor, na melhor das intenções de querer ensinar ou demonstrar ao aluno alguma manobra específica, acaba “exagerando” nessa demonstração e colocando o voo em situação de risco. Eu mesmo tenho um exemplo prático num treinamento para um aluno que estava se formando para ser um instrutor de voo.

Estávamos executando treinamento de Toque-e-Arremetida (TGL) e, para testar o quão proficiente o instrutor-aluno estava em emergências no circuito, para iniciar seus voos como INVA, estando na final a aprox. 3NM da cabeceira, reduzi todo o motor simulando uma pane e esperei uma ação do mesmo para localizar um local para pouso e executar os checks de emergência e corte.

Ocorre que o INVA-aluno não respondeu prontamente às ações esperadas e deixou para fazê-lo muito tarde, e quando concluiu, a acft estava muito próximo do solo que, se não estivéssemos num dos aviões mais potentes da frota, não teríamos performance para iniciar uma manobra corretiva, pousando fora do aeródromo.

Este fato foi um dos grandes aprendizados para mim e uso até os dias de hoje, quando dou alguma instrução em Cirrus, por exemplo. Fazer coisas como cortar o motor em voo (multimotor ou monomotor), desligar o sistema elétrico total, realizar estóis a baixa altura, executar manobra de 360° na Vertical abaixo da altitude publicada são formas não recomendadas de demonstração de execução das mesmas que podem se tornar acidentes reais, dispensáveis.

8 – USO DE CÂMERAS E CELULARES DURANTE O VOO

Aqui, vale as mesmas recomendações que fizemos no ponto n°7 do Artigo “Quais os 11 conselhos para sua instrução de voo render mais?”, que recomendo a leitura.

Embora é sabido que, em tempos de redes sociais, a exposição da escola/aeroclube seja importante para aumentar o número de alunos nas escolas de voo, o instrutor deve levar em conta que, naquele momento, ele está trabalhando, e que está sendo remunerado por aquele aluno ao seu lado, e que é obrigação dele prestar o máximo de atenção no voo e, claro, oferecer ao educando uma instrução com a máxima qualidade possível.

Além disso, o fator segurança é o de maior peso neste ponto, pois enquanto abastece suas redes sociais com fotos e vídeos, o perigo de um bird strike, uma colisão em pleno voo ou outra situação poderá ocorrer. Por isso, estar atento a tudo o que envolve o voo é fundamental.

Mais uma vez, não estamos dizendo que é proibido tirar fotos em voo. Mas, o conselho aqui é para que essa ação não seja constante, e que seja mais breve e discreta possível.

 

9 – ENSINE O QUE ESTÁ NO MANUAL DE VOO, SEM INVENÇÕES

É recomendado ao profissional de ensino de voo que siga o que está publicado nos manuais da escola, corroborando com o tópico 5 deste Artigo.

Um exemplo: numa dada escola, o manual de voo dizia que era para ensinar a decolar um Cessna 172 daquela versão com flape na posição 10° e VR de 70kt, independentemente do peso e altitude pressão. Ocorre que, por ter muita asa, com 55-60kt o avião já estava querendo voar, forçando a triquilha contra a pista.

Diante desse fato, alguns instrutores daquela escola ensinavam seus alunos a decolar de outra forma (sem flape ou com velocidade diferente), colidindo frontalmente com o que estava previsto em manual e que todos deveriam seguir (vide tópico 5).

Ao perguntarem minha opinião, dizia que eu fazia o que estava previsto no manual de manobras, pois estava sendo pago para ensinar daquela forma, mesmo que discordasse. Obviamente, quando comprasse o meu avião, faria o que o manual da aeronave preconizava (55-60kt, flape 0°).

Assim, caso você discorde de algo que o MGO prevê, envie um email para seu chefe de instrução ou superior direto sugerindo uma  atualização do MGO sobre aquele ponto. Dessa forma, caso ocorra algum incidente, você estará resguardado por já ter sugerido uma melhoria em nome da segurança.

10 – O ALUNO PODE SER SEU AMIGO, MAS NÃO PASSE A MÃO NA CABEÇA DELE

“Passar a mão na cabeça do aluno” era um termo usado no aeroclube quando um instrutor, por ter muita amizade com um aluno, acabava sendo conivente com os erros que ele fazia, não os corrigia e, pior, fazia com que os próximos instrutores tivessem maior trabalho para retificar os erros que àquele não corrigiu.

É natural um profissional levar um conhecido, parente, amigo, colega, etc para voar na mesma instituição que ele trabalha, mas cabe à escala de voos evitar de pôr ambos no mesmo treinamento. Caso não seja possível, você, como instrutor-amigo-parente deve demonstrar seu profissionalismo e deixar claro que, a bordo, os papéis de cada um ali estarão bem definidos, e, caso haja necessidade, uma nota mais baixa será atribuída sem receios ou uma dada manobra poderá ser refeita, em nome da qualidade da instrução e da segurança.

 

11 – SEU ALUNO PODERÁ SER SEU CHEFE AMANHÃ

A instrução aérea, como dissemos na abertura, é um dos momentos mais marcantes e agradáveis para a carreira de um aviador.

Quem teve essa oportunidade sabe o quão satisfatório é encontrar um ex-aluno voando em aeronaves e crescendo como um profissional. Se você se dispuser a procurar ser um bom instrutor de voo, ensinando seus alunos com amor, profissionalismo, entregando o que sabe com humildade e responsabilidade e, principalmente, servindo de exemplo para ele, sua imagem ficará gravada para sempre na memória dele. Um exemplo?  Você se recorda de quem te solou? Você se lembra de algum INVA que ficou marcado positivamente na sua vida?

Por isso! Seja este INVA marcado positivamente no coração do seu aluno! Como aconteceu várias vezes comigo, desde que saí do aeroclube que trabalhei em 2015, até hoje, meus ex-alunos sempre me indicam para voos, translados e trabalhos em linhas e taxi aéreos. Estas ações por parte deles, com toda a humildade possível, denunciam que fiz bem o meu papel como INVA – e você também fará!

Por isso, continue a fazer o que você já está fazendo, que é ensina-los com amor, paciência e sendo um modelo de profissional para seu aluno, afinal, você é o primeiro modelo que ele se baseará em sua vida profissional.

Muito obrigado e ótimos voos, queridos professores!

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Micael Rocha foi instrutor de voo por quatro anos, é checador em aeroclubes e CIACs, voou C525, C525B e C208B Caravan em táxis aéreos e voa Cirrus SR22 desde 2013. 
@aeroereview

 

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Autor: Micael Rocha

Micael Rocha foi instrutor de voo por quatro anos, é copiloto de CJ1, CJ3 e C208B Caravan e voa aeronaves Cirrus SR22 desde 2013. @aeroereview

Categorias: Aeronaves, Artigos

Tags: instrutor, Instrutores, INVA