Especial: Os voos e as operações aéreas na região da Floresta Amazônica

Floresta Amazônica Voos Operações Aéreas
Foto: Micael Rocha

O Brasil é realmente grande. Com 8.516.000 km² de área, nosso país figura-se na quinta posição no ranking dos maiores do mundo.

De toda essa área, 40% estão cobertas pela Floresta Amazônica, que ocorre em diversos estados do Norte do Brasil, como Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Maranhão, Amapá, Tocantins, Mato Grosso e Pará, sendo este último o estado que tive a oportunidade de voar durante algum tempo, conhecendo melhor uma região que outrora só conhecia por livros ou vídeos.

A AVIAÇÃO E A FUNÇÃO SOCIAL INDÍGENA

O Pará é imenso. Sendo o segundo maior estado do país, com 1.248.000 km², perdendo em tamanho apenas para o Amazonas, a Floresta Equatorial Amazônica cobre 77% de sua área com vegetação natural, especialmente nos setores norte, oeste e sul, onde concentra uma grande quantidade de aldeias indígenas, cujo acesso se dá por rios ou apenas por via aérea.

Para atendimento aos povos indígenas, a União delegou o trabalho para dois órgãos principais: a Funai (Fundação Nacional do Índio – vinculado ao Ministério da Justiça), que cuida do transporte de alimentos, equipamentos e pessoas, e a SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena – ligado ao Ministério da Saúde), que tem a responsabilidade do cuidado da saúde dos índios naquela região.

Pista de pouso em aldeia: o aviação integrando os povos

Para cumprir estas missões, ambos os órgãos locam aeronaves de táxis aéreos da região a serem atendidas para realizar o transporte aéreo de cestas básicas, remédios, médicos, dentistas, etc.

Na região do Pará, a PEMA Taxi Aéreo e a Piqueatuba são as duas mais requisitadas para realizar os trajetos utilizando suas frotas, destacando geralmente aeronaves Cessna 206, 210 e C208B Caravan, cuja robustez e força caem como uma luva para as tarefas daquela região tão desafiadora.

AS OPERAÇÕES AÉREAS NA AMAZÔNIA

Sobrevoar a vegetação da floresta amazônica para aldeias com aviões como estes não é tarefa simples. Para começar, temos o obvio: por serem aviões monomotores, numa eventual falha do propulsor, o mergulho na selva fechada é praticamente certo.

Não há qualquer local para tentar um pouso forçado, nem mesmo o famoso “descampado”. Tentar chegar a um rio num voo planado é uma aventura e tanto, pois diferentemente do que ocorre no Amazonas, onde a bacia hidrográfica é uma das maiores do mundo, no Pará há menos rios que o estado vizinho.

Eles são importantes pois além de prover água para subsistência em caso de permanência na selva, também colaboram enormemente para um pouso mais suave em caso de falha de motor em voo – o que não ocorre se a pane acontecer sobrevoando a selva, uma vez que mesmo aplicando a técnica de “pouso estolado” sobre as árvores, o avião ficará seriamente danificado, pois além da questão da desaceleração, também conta o fator de a copa das árvores nesse tipo de região serem muito altas, como 30, 40 ou 50m de altura. É por isso que quando a rota planejada contemplava um rio em paralelo, eu me sentia até um pouco mais confortável.

VOO SOBRE SELVA VEGETAL vs SELVA DE PEDRAS

Outro ponto que gerava alguma discussão entre pilotos que operam naquela região e pilotos que voam em grandes centros urbanos (como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, etc) é sobre uma possível falha de motor em avião monomotor sobre uma megalópole.

De fato, perder o único motor da aeronave quando cruzando uma grande cidade é uma situação extremamente delicada, uma vez que são escassos os locais onde um pouso forçado possa ser realizado com relativo sucesso.

Se naquele exato momento estiver sobrevoando um bairro densamente povoado em um monomotor grande (como um Caravan, um Pilatus PC-12, etc) o risco de colidir com uma casa é enorme – diferentemente se isso ocorrer sobre a mata fechada, onde a colisão ocorrerá primeiro sobre a copa das árvores.

Floresta Amazônica: um mar verde na região Norte do país

Todavia, é conveniente lembrar que árvores desse tipo de região são muito altas e com galhos/troncos muito grossos, que resultará na dilaceração do avião já nos primeiros impactos.

Além disso, costumava pontuar aos colegas que uma engine fail sobre a cidade permite, ao menos, receber ajuda do Corpo de Bombeiros de forma mais rápida, aumentando as chances de sobrevida num evento como esse. Lá, somente o Exército ou Aeronáutica oferecem ajuda com helicópteros num pós-acidente, e isso pode demorar horas, dias ou nem ocorrer.

VOO NOTURNO

À noite, o voo monomotor sobre grandes extensões de florestas fica ainda mais desafiador, mesmo a bordo de um turboélice como um Caravan, máquina muito confiável como no nosso caso. 

Por não possuir fontes luminosas em solo como cidades, o breu toma conta da visão externa, chegando a perder a referência da linha do horizonte entre o céu e o terreno, especialmente em dias cujas estrelas estão cobertas por nuvens. É por isso que o voo IFR nessas regiões torna-se imperativo.

Além disso, numa pane de motor, nem mesmo tentar procurar um local menos pior para pouso (como um rio) é possível. Por isso é comum pilotos escolherem rotas até mais longas (mas com mais opções para pouso) para eventuais emergências.

CLIMA

Uma das coisas que me chamou muita a atenção já nos primeiros dias voando na região Norte do país foi justamente o dinamismo do clima. É impressionante como em questão de pouco tempo um dia CAVOK, sem uma única nuvem no céu, ficar forradas de CBs (Cumulunimbus) e TCUs (Towering Cumulus), justamente pela característica da região ser quente e úmido.

Aliás, nota-se que a base dos CBs ali são ligeiramente mais baixas do que em outras regiões do Brasil, forçando a se voar “com o dedo no HDG” do piloto automático a fim de desviar dessas bases – especialmente quando se voa avião que não possui pressurização.

As chuvas em forma de pancadas ocorrem quase o ano inteiro, e são sempre mais intensas das que encontramos na região Sudeste por exemplo. Principalmente no inverno, logo nas primeiras horas do dia, é comum encontrar nevoeiro tipo “barba de bode” muito colado à superfície, denso e extenso, especialmente mais ao leste do Estado, exigindo dos aviadores bom conhecimento da região a fim de procurar aeródromos ou pistas particulares para alternativas.

Confira no vídeo abaixo:

INFRAESTRUTURA

Embora a floresta domine o território do Estado, na faixa ao extremo leste predomina vegetação mais baixa e muitas fazendas. Com exceção da região que circunda o aeroporto de Parauapebas que é cercado por floresta, voar naquele setor é tranquilo para operações de monomotores.

Inclusive é nessa região onde estão os aeroportos com melhor infraestrutura: Belém (SBBE), Marabá (SBMA), Parauapebas/Carajás (SBCJ), Redenção (SNDC) entre outros, onde é possível encontrar pistas em bom estado de conservação e auxílios à navegação e pouso.

Porém, para os demais setores, a situação se inverte: são escassos os aeródromos com o mínimo de apoio às operações aéreas. As exceções são Santarém (SBSN), Altamira (SBHT), Ourilândia do Norte (SDOW), São Felix do Xingú (SNFX), entre outros.

Nestes, é possível encontrar balizamento, manutenção mais simples e abastecimento para uma parada técnica. Portanto, prepare bem o planejamento: é normal encontrar JET-A em um desses mas não AVGAS, ou vice-versa.

C208B Caravan no Aeroporto Carajás/Parauapebas: um dos mais movimentados e completos do leste paraense

Pouquíssimos são os aeródromos que oferecem os dois tipos de derivados de petróleo de imediato (como o corre em Ourilândia do Norte, por exemplo). Porém, é importante estar bem preparado, principalmente o bolso. Na época que lá estive, o preço da AVGAS em alguns aeródromos daquela região custava (você está sentado?) R$19,20 – o litro.

Com relação aos auxílios à navegação e comunicação, encontramos o que é de se esperar: no extremo leste tem-se alguma cobertura VOR e no resto do Estado o uso GPS para navegação torna-se quase que obrigatório, exceto para pilotos mais experientes naquela região, que conseguem navegar por contato numa região onde a topografia é muito pouco acidentada (que permitiria ao menos usar montanhas como referência) e com poucos rios, que também cumpriria essa função.

Já a cobertura radiotelefônica na região com o ACC é satisfatória. O sinal de rádio vindo do Centro Amazônico (124,35Mhz) eram fortes, livres de estáticas e sem pontos cegos. O contato rádio com o órgão é factível já nos primeiros 2000 ft sobre o terreno. O trabalho dos controladores é bom, com pouquíssimas (para não dizer raras) as vezes que o ACC vetora ou determina a execução de esperas, justamente pelo baixo volume de tráfego. Isso, pelo menos, no Espaço Aéreo Inferior.

Falando em fonia, uma coisa que causa bastante estranheza nos primeiros dias é o tipo de coordenação nas FCAs ou na Frequência Livre feita nessa região do país, cujo movimento de aeronaves é menor. Os pilotos literalmente “trocam ideias” na 123,45Mhz, como se estivessem falando ao telefone! Você ouve de tudo: combinam churrascos, troca de peças de carros, dicas de hotéis e até desavenças na família.

Outra coisa interessante de notar é o nível de camaradagem e companheirismo daqueles aviadores. Ouvi inúmeras vezes coisas do tipo:

“Algum colega poderia me informar como chego na Fazenda Três Estrelas vindo de Sapucaia, por favor?”

“Colega, voa na proa tal, durante uns xx minutos, seguindo uma estrada de terra… você vai ver um silo e do lado esquerdo duas caixas-d’água brancas. A pista estará à sua direita, depois de um morrinho…”.

O piloto que oferecia ajuda ia praticamente “vetorando” o outro, informando o quê iria encontrar mais à frente em sua rota, durante vários e vários minutos. Em suma, algo impensável para quem voa nas congestionadas REAs em São Paulo, por exemplo.

MERCADO

É difícil aceitar que um estado tão imenso como o Pará ainda seja mal servido por transporte aéreo. Um dos motivos para a demanda por transporte por via aérea ainda seja pequena é, em parte, a falta de cultura ao uso do avião como meio de deslocamento.

Conversando com as pessoas, percebe-se que esse tipo de meio de transporte ainda é visto como “caro”, de “elite” ou pouco acessível, sendo essa acessibilidade por conta justamente da falta de aeroportos em boas condições para operação.

De fato, para se chegar a um aeroporto servido por linha aérea comercial leva-se horas e mais horas, uma vez que há poucas estradas e muitas delas muito ruins em conservação.

Aeroporto de Carajás (SBCJ): servido por linhas aéreas, mas com difícil acesso

Devido esse impeditivo, as pessoas que estão em cidades como São Félix do Xingú, Tucumã, Ourilândia, Xinguara, Redenção entre outras, preferem, por exemplo, irem de carro ou ônibus para Goiânia, pois a falta de opções de linhas aéreas regulares e o preço altíssimo das passagens forçam a encarar até um dia nas estradas para acessar o Centro Oeste brasileiro.

Talvez, com a chegada de grandes empresas mineradoras que estão se instalando ali, somados a um fomento às empresas de táxi aéreos da região para transformarem-se em linhas aéreas sub-regionais, possa minimizar essa lacuna para o povo paraense.

No próximo artigo, convidamos você para conhecer um pouco a operação nas aldeias indígenas executado pelas empresas de táxi aéreo da região no importante trabalho que fazem aos índios do Pará.

Não perca! 
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Micael Rocha foi instrutor de voo por quatro anos, é checador em aeroclubes e CIACs, voou C525, C525B e C208B Caravan em táxis aéreos e voa Cirrus SR22 desde 2013. 
@aeroereview

 

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Micael Rocha foi instrutor de voo por quatro anos, é copiloto de CJ1, CJ3 e C208B Caravan e voa aeronaves Cirrus SR22 desde 2013.
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