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Teste em Voo – Tecnam P2006T

por Micael

Tecnam P2006T

A Itália, como sabemos, é o berço dos mais famosos designers e bastante conhecida por produzir os mais belos projetos automotivos, com linhas ousadas e marcantes. Todavia, nem sempre a beleza de uma máquina se traduz em linhas arrojadas.

Às vezes, o básico também consegue bons resultados em beleza e harmonia, assim como conferimos no bimotor P2006T da Tecnam, operado pela escola Sierra Bravo, de Americana – SP.

P2006T: leveza nas linhas de desing denota bom acerto aerodinâmico (imagens: Micael Rocha / Instagram SB)

Para você que nunca ouviu falar na fabricante ou acha que ela é nova no mercado, não é bem assim. A Tecnam é uma fabricante italiana de aeronaves leves LSA sediada em Casoria, Itália, fundada em 1986. Mas a marca em si existe desde 1948, quando começou fabricando peças aeronáuticas.

Certificado pela EASA sob a CS23 em 2003 e pela FAA Part 23 em 2010, esse modelo foi concebido inicialmente para ser uma opção de aeronave para instrução, mas que ganhou outras aplicações, como o P2006T MRI (patrulha marítima), P2006T MMA (multi-missão com equipamentos da Airborne Technologies) e o T2006A, que serve a Força Aérea Italiana, para treinamento de cadetes.

Assista a matéria em vídeo abaixo:

https://youtu.be/iX0zCjb9L3k

O Tecnam P2006T é construído em alumínio aeronáutico e materiais compostos. Extremamente leve, esse multimotor de quatro lugares recebeu o título de bimotor certificado mais leve do mundo, afinal, são apenas 853 kg de peso vazio, mesmo tendo dimensões muito semelhantes aos de um Seneca: 8,7 m de comprimento, 11,40 m de envergadura e 2,9 m de altura.

Sendo o mais leve bimotor certificado do mundo, acomoda até 4 pessoas, fora os tripulantes.

Essa nave é aquele tipo de aparelho que quanto mais a gente olha com calma, mais detalhes vamos descobrindo e mais deixa-nos curiosos. O modelo em si é uma aula de design simplista. A linha inferior que liga o nariz à cauda é contínua, com uma sutil ascensão até chegar na cauda. Na parte superior, nada de exageros ou ideias mirabolantes. A parte dianteira do avião tem como característica ser simples e objetiva, sem firulas, bem resolvida.

Para fugir um pouco do lugar-comum da maioria dos projetos, a empresa optou por instalar enormes winglets nas pontas das asas. Com 60 cm de altura, eles quebram um pouco o desenho que seria formal demais da nave se elas não fossem tão grandes. Somados ao fato de a aeronave ser semicantilever (sem os suportes de asa), o resultado foi bom.

Enormes winglets quebram o lugar-comum do multimotor da Tecnam

Já nas asas, uma olhada mais clínica revela uma solução aerodinâmica para a nacele do motor, com pouquíssima estrutura acima da asa, que ajuda a evitar o turbilhonamento do ar na parte do extradorso da asa. Isso é conveniente principalmente quando temos uma situação de vento cruzado sobre a asa, como num voo caranguejado ou glissado. Interessante também é que conseguiram manter pouca área de motor abaixo da asa, terminando a carenagem elegantemente no bordo de fuga.

Falando em motor, o Tecnam vem equipado com dois famosos austríacos Rotax 912 S3, de 100 hp cada. Muito leve, conta com caixa de redução (o que pode ser percebido pelo acionamento e corte seco), dois sistemas de mistura ar/combustível e sistema de refrigeração mista (a ar e água).

Um ponto importante de ressaltar é que este propulsor pode beber tanto gasolina de aviação (AVGAS) como gasolina Podium, de automóveis. Isto é útil quando se necessita operar em locais onde a gasolina 100 LL é escassa.

Cada motor consome cerca de 20 l/h de petróleo, o que garante uma autonomia de aproximadamente 5 horas de voo – uma vez que este bimotor possui em cada asa um tanque com capacidade para 100 litros. Completa o grupo moto-propulsor hélices bipás da alemã MT Propeller, de 70 polegadas, feitas em madeira e material composto, com passo variável hidraulicamente e full feathering.

O austríaco Rotax 912 S3: leve e compacto

Já os trens de pousos possuem uma estrutura aerodinâmica que se estende para fora da fuselagem. Essa estrutura, que se assemelha àquelas que encontramos em helicópteros Agusta, são necessárias a fim de aumentar a bitola (distância entre os eixos) do trem principal, oferecendo maior segurança na hora do pouso, uma vez que por ser asa alta não haveria onde ser instalados. Ali, aloja-se o mecanismo de retração do trem de pouso e os pneus são acomodados na barriga do avião. A propósito, o padrão dos pneus escolhidos pela fabricante (6.00/6 nos principais e 5.00/5 na triquilha), são facilmente encontrados nas principais oficinas e distribuidoras. 

O embarque dos pilotos se dá por uma pequena porta do lado esquerdo, com 1 m de comprimento. Diferentemente como ocorre em outras aeronaves bimotoras mais comuns no país, onde o piloto embarca primeiro por uma porta do lado direito e só após o passageiro/segundo piloto, no P2006T ocorre exatamente o contrário. Já os passageiros entram por uma porta à direita da aeronave. Essa porta fica em local desprivilegiado, pois fica embaixo da asa, bem ao lado do motor, além de ter pouca abertura. Todavia, uma vez embarcados, os dois passageiros atrás viajam com bom espaço e conforto. Atrás deles, há o generoso espaço do bagageiro, com 350 litros de volume ou 80 kg admissíveis, excelente para levar malas grandes.

No posto de comando, encontramos um painel híbrido, com o sistema glass cockpit e analógicos, onde são mostrados basicamente os instrumentos do motor e sistemas. Um G950 (semelhante ao G1000, porém sem a tag onde são mostrados os parâmetros de motor) toma boa parte do painel que, inclusive, também conta com um piloto automático S-Tech 55X, muito comum em aeronaves Cirrus de primeira e segunda geração.  

Painel híbrido G950 da Garmin com piloto automático S-Tec 55X

 

O VOO DO P2006T

O dia estava bem quente para realizar o voo com o Tecnam. O instrutor e coordenador da Sierra Bravo Eduardo Silva foi escalado para me acompanhar neste voo. Após os cheques pré-voo, acionamos rapidamente os motores dois e um, com aquele acionamento seco típico dos Rotax.

No taxi até a cabeceira 30 de SDAI (Americana), notei o conforto e precisão dos pedais, importantes para pilotos e alunos que estão iniciando a adaptação neste tipo de equipamento. Notei também que mesmo durante o longo taxi até a cabeceira, o motor trabalha frio, onde sequer os parâmetros de óleo haviam chegado à marca verde mesmo naquele quentes e abafado dia, graças ao sistema de arrefecimento híbrido ar/água.

Agora, se tem uma coisa que estava quente mesmo era a cabine de comando. Isso porque a ventilação do avião em solo é sofrível, sendo piorada pela grande área envidraçada do parabrisa, mas melhorando sobremaneiramente em voo.

Alinhado na cabeceira, avanço as manetes até o batente mantendo os freios acionados. Em minha mente achava que os freios fossem “escorregar” por não conseguir segurar o ímpeto da tração dos motores, mas ledo engano. O avião se manteve estático, mesmo com motores a pleno sobre a cabeceira.

A relação peso x potência desse bimotor é bem apertada, o que significa que não há muita sobra de potência nessa configuração que estávamos (OAT ± 34°, 3 a bordo e meio tanque de combustível). O que ajuda a ter um desempenho mais produtivo em voo é justamente o refinamento aerodinâmico, que corta o ar melhor, reduzindo o arrasto induzido, exigindo menos energia.

Excetuando a característica de ter nariz pesado na hora de rodar, a decolagem do Tecnam é tranquila, com baixo workload após sair do chão. Este ponto é fundamental em aeronaves que tenham o propósito de serem de instrução, pois faz com que o piloto-aluno mantenha-se focado em voar o avião, e não ficar lidando com sistemas da aeronave em demasia. E em termos de desempenho durante a subida, já limpos, chegamos a ficar com a razão entre 600 e 850 ft/min.

Subida inicial: baixo workload favorece a instrução

Nivelados, notei que velocidade não é o carro-chefe desse multimotor. Aproados para Arthur Nogueira a 4000 pés e com 4 psi de fuel press, 24 pol de manifold, e 2100 RPMs em ambos motores, o voo progredia com uma média de 123 a 132 nós, com um leve vento de proa. Se velocidade não é o seu forte, em matéria de suavidade e conforto ele dá show.

O voar desse europeu é suave, fluído e extremamente dócil. Não existe aquele monte de macetes e cuidados na operação como em outros MLTE leves. Tudo aqui é fácil, ergonômico e intuitivo.

Outro ponto de destaque é o ruído interno. O ronronar dos motores é baixo, se compararmos com outros multimotores de classe semelhante. Okay, o motor produz menos som por ser menor (100 hp), mas levemos em consideração que eles são montados extremamente próximos da fuselagem.

Motor muito próximo da fuselagem não perturba quem vai atrás

No retorno, já na proa de regresso, aproveitamos para realizar um mono simulado. Com o motor dois todo reduzido, foi necessário pouca pressão no pé esquerdo (“dead foot, dead engine”) para manter a bolinha centrada.

Outro ponto que chamou a atenção foi a atuação no manche. O controle de rolagem se conseguia de forma muito fácil, mas houve necessidade de se puxa-lo um pouco mais para manter o climb hora zerado / hora levemente negativo, mesmo com uso do compensador (elétrico, nesse avião).

Mesmo tendo ciência de que o avião não fora certificado para manter climb positivo em um mono e que há outras variantes que influenciam essa condição mono, tive a impressão de que a pressão em puxar o manche fosse um pouco menor, visto o comportamento do P2006T até então. Talvez essa força seria reduzida caso tivéssemos embandeirado a hélice, facilitando o escoamento de ar e melhorando um pouco mais a perfomance mono, coisa que só teríamos feito caso aquele momento fosse real. 

No treinamento monomotor, o europeu executou a missão com relativa facilidade

No circuito de tráfego, com o avião em condição normal de voo, a vida de quem voa esse leve bimotor é fácil e prazerosa. Isso porque há poucos cheques a serem feitos, tudo muito simples e previsível, associando-se isso aos flight patterns da escola, que permitem ao piloto-aluno realizar poucos voos para se sentir confortável na máquina.

Pude ratificar que o Tecnam P2006T é um bom treinador na fase final de pouso. Isso porque me antecipei ao girar perna-base, fazendo-me ceder o nariz do avião a fim de me encaixar na rampa visual. Resultado: girei base-final alto e veloz. Mas para minha surpresa, mesmo o Tecnam ser um avião liso, são necessários poucos ajustes para encaixar a velocidade ideal de aproximação (cerca de 85 kt) e estar estabilizado antes dos 500 ft. Mais uma vez, o Tecnamzinho perdoou e consertou minha “ramelada” lá na base!

Facilidade para voar o P2006T chama a atenção

Na hora do toque, outra grata surpresa. Acreditava que, por ter trens de pousos muito próximos da fuselagem, iria ter problemas para pousá-lo. Só impressão minha. O toque seguiu macio, firme e seguro, com as competentes instruções verbais do instrutor Eduardo. Já no solo controlado, não me restavam dúvidas de que muitos pilotos-alunos irão se adaptar muito rapidamente a essa belíssima e interessante plataforma de treinamentos chamada P2006T.     

 

ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS



Fuselagem
Valor FOB: US$ 660,000
Comprimento: 8,70
Envergadura 11.40
Altura 2,90
Estabilizador: 3,30m
Bagageiro: 350 litros – 80kg
Combustível: 200 lts
Autonomia: 5 horas
Alcance: 669 NM (desconsiderando reservas)

Grupo motor-propulsor
2x Rotax 912 S3 – 100hp

Consumo médio (@2000ft, 75% potência): 20 lts/h
Hélice: 2x MT Propeller, 2 blades, passo variável

Trem de pouso
retrátil hidraulicamente

Pneus: 600/6 (principais), 500/5 (triquilha)

Avionicos
Garmin G950 IFDS com A/P S-Tec 55X aprovado PBN RNAV/RNP  

Perfomance
Peso vazio (EW): 853 kg
Peso máx decolagem (MTOW): 1.230 kg
Carga paga (3 pax, full tanques): 280 kg
Velocidade máxima: 155 kt
Velocidade média (@6000 ft, 75% potência): 123 kt
Velocidade estol (Vso): 55 kt
Velocidade mín de controle (limpo): 62 kt
Distância decolagem: 394 m
Distância Pouso (50ft): 349 m
Teto de serviço: 14000 ft

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Micael Rocha foi instrutor de voo por quatro anos, é checador em aeroclubes e CIACs, voou C525, C525B e C208B Caravan em táxis aéreos e voa Cirrus SR22 desde 2013. 
@aeroereview

 

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Autor: Micael Rocha

Micael Rocha foi instrutor de voo por quatro anos, é copiloto de CJ1, CJ3 e C208B Caravan e voa aeronaves Cirrus SR22 desde 2013. @aeroereview

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