Uma análise – Evolução do Boeing 737 – Original

737-100 da Lufthansa, uma das poucas aéreas que operou com esse modelo.

De todos os modelos das aeronaves comerciais de grande porte, um que maioria das pessoas sempre lembra, sejam elas idosas ou adolescentes, é o Boeing 737, e isso se deve em boa parte a operar voos desde 1968 em suas diversas gerações que já foram feitas.

Primeiro 737 na fábrica da Boeing.

Primeiro 737 na fábrica da Boeing. Foto – Boeing

Em meados da década de 60, a Boeing comemorava o sucesso de seu primeiro jato comercial transatlântico, também chamado de Boeing 707, no setor mais regional de operação quem dominava era os Caravelle e uns anos mais a frente o DC-9 entrou em linha. E foi justamente pela boa recepção de mercado dos jatos de 80 a 120 assentos que a fabricante norte americana decidiu entrar com seu projeto. A adequação era fácil para a Boeing, ela utilizaria partes da fuselagem da série 707 e 727 para ter como base o modelo do 737, o que observamos logo ao avistar um 737 é a incrível similaridade da seção do cockpit da aeronave com um 707, perdura-se assim o design do veterano até os dias atuais.

O programa do Boeing 737 foi iniciado ainda em 1964, com a apresentação dos desenhos de pré série, nesse projeto o que a fabricante buscava era produzir algo menor que 25 metros e que levasse de 60 a 80 passageiros com uma autonomia de até 1500km, porém a primeira encomenda da Lufthansa para 21 aeronaves no início de 1965 mudou todo o rumo do projeto.

Entre os pedidos da companhia alemã estava uma ampliação na capacidade, que com alterações ia para 80 a 99 assentos confortáveis e o range de operação deveria ser capaz de cobrir toda a Europa, assim foi estabelecido o alcance próximo de 2850km. Ao todo o 737 teve quatro versões na sua primeira geração com motores turbofan de baixa razão.

737-100 da Lufthansa, uma das poucas aéreas que operou com esse modelo.

737-100 da Lufthansa, uma das poucas aéreas que operou com esse modelo. Foto – Boeing

O projeto para o 737 foi relativamente fácil, na época a maioria das aeronaves a jato em uso em países fora da URSS eram Boeing, Douglas ou BAC, diríamos que a Boeing queria facilitar para as companhias aéreas que já tinham 707 e 727 na frota, para isso ela integrou muitos sistemas que já existiam nas aeronaves anteriores e adaptaram ao 737 de primeira geração.

A parte de aviônicos presente no 727, lançado pela Boeing pouco antes, também serviu de base para o projeto, o sistema hidráulico e pneumático tinha muitas peças comuns ao 707, e os motores eram os conhecidos turbofan de baixa razão da Pratt & Whitney de modelo JT8D-7, que dispunham de 14000 lbf de empuxo, pouco comparado a um 737 MAX 8. Cerca de 60% dos componentes deveriam ter alguma comunalidade com o 727.

No meio do projeto a Boeing teve que reprojetar a asa pois o modelo feito não suportava uma carga maior que 95% do peso sem sofrer avarias, sendo que o recomendado é 150% do peso. A nova asa deu a primeira geração uma característica aerodinâmica excelente, a eficiência de uso permitiu perdurar sua permanência até a série Advanced, com algumas incorporações, como um mini-winglet nas pontas, utilizado somente para testes.

A série -100 durou pouco, foram vendidas 30 unidades, sendo 22 delas para a Lufthansa, 5 para a Malaysia Airlines e 2 para a Avianca Colômbia. O último operou até o ano de 2005 em conversão para cargueiro, encerrando assim o ciclo do 737-100 no planeta.

 

-200

Entrega do 100º Boeing 737 fabricado para a United, cliente lançadora da série -200. Foto - Boeing

Entrega do 100º Boeing 737 fabricado para a United, cliente lançadora da série -200. Foto – Boeing

Do mesmo modo que a Lufthansa pediu alterações no projeto do 737, a United fez o mesmo, antes de realizar a encomenda foi feito um requisito básico para a Boeing, o projeto iria ganhar outra versão ainda maior que a -100, dessa forma vimos o surgimento da -200 e suas variáveis.

Ao contrário da antiga que fez pouco sucesso, por ter sido lançada um pouco após a -100 (2 meses) ela acabou por matar a variável menor, além de ganhar muitas outras implementações. No geral temos algo ampliado em quase 2 metros na fuselagem, com capacidade estendida para mais 6 assentos e algumas alterações em nível de aviônicos e motores.

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Dimensões do 737-200.

O 737-200 talvez seja a versão mais famosa e utilizada na primeira geração, ao todo foram entregues 1114 unidades, era possível todos os tipos de configurações internas a partir da fábrica, como a variante Combi (carga e passageiro), Cargo e PAX.

Além disso era possível incorporar diversos packs de atualizações ao longo de sua vida, como o PMS que era um sistema de controle vertical do voo e que ajudava em alguns cálculos para estimativa de rota, no final da década de 80 tinha disponível sistemas com “GPS” e full piloto automático (conhecido também como sistema ômega no Brasil), kits com silenciadores para os motores (em inglês hush kits), vários tipos de radares climáticos, mini winglets e reversos nos motores.

Cockpit comum nas primeiras versões do 737, AP do modelo SP77 e quase algum moderno auxílio de voo.

Cockpit comum nas primeiras versões do 737, AP do modelo SP77 e quase algum moderno auxílio de voo. Foto – Victor Potesta

O primeiro 737-200 a sair de fábrica era realmente um pouco desatualizado, ele contava com um radar antigo (e muito comum nos anos 60), da Bendix, seus sistemas de voo básico eram a base de NDB, VOR ou ILS CAT I, os pilotos recorriam ao radar diversas vezes para fazer algum tipo de checagem da rota, como é conhecido hoje por “visumento”, ou muitas vezes utilizavam o rádio para localizar o controle aéreo mais próximo. A autonomia de 3520km, na pior das condições de peso e velocidade, ajudava em voos longos ou nos alternados para outro aeroporto.

Por padrão a versão -200 vinha de fábrica com motores JT8D-9AS com empuxo de 14500 lbf, aviônicos e alcance já descritos no parágrafo acima, configuração interna a escolha da companhia aérea, 30.53 metros de comprimento, 28.35 metros de envergadura (a mesma da -100) e altura de 11.29 metros.

 

-200 Advanced

Cockpit com instrumentação moderna poderia ser incorporado nas versões do Advanced. Esse tinha equipado um AP SP77 com F/D.

Cockpit com instrumentação moderna poderia ser incorporado nas versões do Advanced. Esse tinha equipado um AP SP77 com F/D.

Em 1971, cerca de 4 anos após a implementação da versão comum do -200, a Boeing lançou uma versão otimizada da mesma aeronave e que passou a se tornar opção padrão para os clientes, e que também fez bastante sucesso com o tempo. Essa nova variante tinha implementações aerodinâmicas nos Slats, Pilons do motor e Asa (porém mantendo a envergadura), isso permitiu a aeronave ser 15% mais eficiente em combustível do que a anterior.

Modificações nos motores aumentaram o empuxo disponível, enquanto economizavam 5% de combustível quando comparado a outra versão, o novo empuxo poderia ir de 15500 à 17400 lbf. As novas modificações na potência e eficiência de combustível permitiram um teto de voo com mais 2 mil pés nessa variante (na anterior era de 35 mil pés).

Entre outras implementações estava o sistema de Auto Brake, Auto Speed Brake, Anti Skid (nos carros conhecido como ABS) e disco de freio no trem de pouso do nariz. Equipado com a versão mais potente de motor e com essas implementações, o Boeing 737-200 Adv poderia decolar com peso total de até 58740kg, quase 10 mil quilos a mais que a versão anterior. Era possível também, por opção da companhia, operar em pistas curtas como a do Aeroporto de Congonhas.

 

-200 Executive

Interior da versão executiva.

Interior da versão executiva. Foto – Boeing

Era um 737-200 Adv porém com interior voltado para o conforto, antecedeu as versões BBJ da Boeing para as suas aeronaves voltadas para os consumidores particulares. Fez bastante sucesso entre as forças aéreas de diversos países, incluindo o Brasil que operou dois 727-200 Adv também conhecidos como VC-96. Tanques adicionais no lugar do porão de carga permitiam um alcance de até 6500km, além de ser equipado com as versões mais potentes do JT8D.

 

-200 Cargo (C), Mudança Rápida (QC) & Combi

Na versão QC era permitido diversas configurações internas, nessa imagem temos 3 pallets de carga na parte frontal (com porta de carga) e 60 assentos.

Na versão QC/Combi era permitido diversas configurações internas, nessa imagem temos 3 pallets de carga na parte frontal (com porta de carga) e 60 assentos.

Imediatamente a versão de passageiros o 737-200 ganhou sua versão cargo, a primeira foi entregue a companhia Wien Consolidated of Alaska em 1968, não haviam bins para malas de mão, era uma versão completamente cargueira e aceitava até 6 pallets de carga que poderiam somar um peso total de até 15710kg na variante Adv.

A versão QC poderia ser convertida em até 1hr com o uso de pallets com 12 assentos cada, a Vasp operou muito em modo Combi ou QC durante seus anos de vida, era comum ver um Vasp EX com janelinhas, que a qualquer momento, poderia ser convertido de passageiro para cargo ou até mesmo levar o dois no mesmo voo.

 

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Fatos sobre a operação da primeira geração do 737:

 

— Diferente do MCP do 727 que era baseado no 707, o Boeing 737-100 recebeu logo em sua primeira versão o sistema de piloto automático SP-77, bastante primário mas que já ajudava em algumas etapas do voo, altura e direção eram controlados através de lock, uma espécie de estabelecer altitude de voo e bloquear ela ali.

— Ao longo dos seus anos de operação o 737-200 Adv recebeu um banho de tecnologia, desde seu primário e simples AT do SP77 no início de suas operações, até a implementação de outros comandos no mesmo SP77 como GA, OFF, HDG, VOR / LOC, AUTO APP & MAN GS. Um pouco mais à frente recebeu o PMS que era um dispositivo gerenciador de desempenho e por diversas vezes os pilotos utilizavam para auxílio de rota, visto que dava pra estimar a distância percorrida a partir dele, além de ser de fábrica integrado ao SP77 com F/D.

PMS ao lado do radar meteorológico, estava junto a um SP77 convencional. Foto - André Diego

PMS ao lado do radar meteorológico, estava junto a um SP77 convencional (no topo da imagem).

— Nos últimos anos da década de 70 foi disponibilizado para o 737 original um sistema mais avançado que o PMS, chamado de PDCS (Performance Data Computer System), nesse era possível gerenciar um voo através de navegação lateral e vertical automaticamente com a ajuda de um sistema de piloto automático SP177. Ele foi responsável por homologar o ILS CAT III para o breguinha, além de permitir o controle automático de diversos parâmetros do voo, tal como a velocidade através do Autothrottle e dar um pequeno tira gosto de como iria ser o AP do 737 Classic.

— Na década de 90 era possível ter um sistema com FMS em seu cockpit, baseado no 737 Classic e navegação GNSS fornecida pela Garmin, obrigatoriamente ele ganhava o sistema de AP, SP177.

Cockpit com MDS SP177, difícil ver um com esse AP e sem FMS era item quase obrigatório para sua época.

Cockpit com MCP SP177, difícil ver um com esse AP e sem FMS, era item quase obrigatório para sua época.

— A Boeing precisou reprojetar o reverso do 737 Original, o antigo sistema com base na hidráulica do 727 e adequado para um motor alto, não era eficiente e chegava a atrapalhar o freio do trem de pouso principal levantando a estrutura durante o acionamento, em 1969 a fabricante lançou uma alteração que trocava todo o sistema por um do tipo concha, mais aerodinâmico em voo e que melhorou a performance em pistas curtas.

— O 737 de primeira geração vinha, opcionalmente, com uma escada retrátil logo na porta dianteira esquerda, assim era possível operar a aeronave em aeroportos regionais ou sem devida infraestrutura, fator muito importante para seu sucesso no Brasil na década de 70.

— A jogada da Boeing em manter o mesmo diâmetro de fuselagem do 707, 727 e 737 beneficiava diretamente as operações cargueiras ou em modo Combi, sendo que uma companhia aérea que tivesse essas 3 aeronaves em sua frota poderia utilizar os mesmos pallets em qualquer aeronave, assim melhorava toda a logística da empresa.

Era fácil operar cargas com o -200, ainda mais se fosse uma variante QC ou Combi.

Era fácil operar cargas com o -200, ainda mais se fosse uma variante QC ou Combi. Foto – Wikipédia

— A manutenção do 737 sofreu upgrade de medidas do MSG-1 para o MSG-2, isso aumentou a confiabilidade mecânica do modelo e melhorou os procedimentos dentro da sua operação normal.

— A VASP foi a primeira operadora do 737-200 no Brasil, a sua primeira aeronave, PP-SMA, bateu recorde de tempo voando por uma única companhia. Na chegada dos quatro 737-200 da empresa no país em 1969 foi feito um rasante sequenciado no Aeroporto de Congonhas, então base da companhia aérea. Em seguida a Varig, Cruzeiro e Rico Linhas Aéreas passaram a operar o modelo.

— Por motivos de marketing a Varig e Cruzeiro denominaram seus -200 Advanced como Super Advanced em suas propagandas e em letras garrafais próximo à porta traseira, o Boeing 737 na década de 70 era reconhecido amplamente aqui no Brasil por sua modernidade em comparação com o Samurai, Electra e Caravelle.

Inscrição vinha em letras garrafais na lateral do 737. Foto - Wikipédia

Inscrição vinha em letras garrafais na lateral do 737. Foto – Wikipédia

— Com a chegada da 2ª geração de Boeing 737 no Brasil, o antigo -200 ganhou apelido de breguinha, enquanto o -300 o de cascão por conta do apagamento de chama do motor.

— Os pilotos sempre relatavam que o -200 era bastante simples e tolerante a erros mais graves dos pilotos, era fácil e rápido controlar alguma pane, ainda mais com os últimos sistemas incorporados na aeronave.

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Apesar das intensas atualizações da Boeing e a diferentes versões, nos últimos anos da década de 70 o projeto original do 737 já demonstrava sua idade com o recente lançamento do 757 e do 767, fora outras aeronaves que já estavam há algum tempo no mercado, como o Lockheed Tristar. Então a Boeing começou a trabalhar no Classic como alternativa para modernizar o jato. Acompanhe na próxima postagem….

 

Vídeo – Volta pelo 737 e ligando os motores.

Bônus: Hush Kit do 737 Original, apresentado em 1982 como solução para o barulhento Pratt & Whitney, também chamado de Stage 3.

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Foto – Stefan Welsch

 

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