O primeiro Airbus A330 da Força Aérea Brasileira (FAB) chegou ao país nesta segunda-feira (25), pousando no Aeroporto Internacional de Viracopos (Campinas) pouco antes das 07:00. A nova aeronave, agora chamada de KC-30, percorreu um longo caminho até chegar ao Brasil.
Este caminho que começa, na verdade, ainda em 2013. Neste artigo, vamos relembrar como a FAB chegou à decisão de adquirir o A330, que agora é o maior avião militar do país.
KC-137 e 767
O ano era em 1986, quando o então Presidente da República José Sarney buscava modernizar a frota de transporte VIP da Força Aérea Brasileira, especialmente para o transporte presidencial. A FAB, por outro lado, também desejava vetores de reabastecimento e transporte estratégico.
Enquanto isso, a Varig aposentava a sua veterana frota de Boeing 707. A oportunidade estava lá e a FAB aproveitou, adquirido os jatos de matrícula PP-VJH, VLK, VJX e VJY. Os 707 que restavam na companhia foram aposentados em 1987.
Os 707, agora designados KC-137 e matriculados 2401 a 2404, foram enviados para Wichita, nos EUA, onde foram convertidos para atuar como aeronaves de transporte de passageiros, carga e reabastecimento em voo (REVO). Os aviões receberam pods de REVO Beech 1080 nas pontas das asas, cada um com uma mangueira de 12 metros.
Um deles, o 2401, se tornou o novo avião presidencial brasileiro, recebendo configuração mista de REVO e transporte VIP. Por conta das notícias da época, os “novos” KC-137 foram popularmente apelidados de Sucatão.
Por quase 30 anos os ‘Sucatões’ serviram com o Esquadrão Corsário (2º/2º GT) da Base Aérea do Galeão. Por onde passavam, chamavam atenção especialmente pelo grande ruído dos quatro motores Pratt & Whitney JT3D-7, fosse transportando o presidente, carregando cargas e tropas ou reabastecendo os caças F-5 e A-1 da FAB.
O KC-137 2401 deixou de ser o avião presidencial com a chegada do Airbus A319 ACJ, chamado de VC-1 e apelidado de “Aerolula”, por ter sido adquirido na gestão do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Embora importantes vetores, os KC-137 eram antigos e sua manutenção era complicada. Um acidente com o 2404 no Haiti em maio de 2013 foi a gota d’água para a FAB, e os aviões foram aposentados no mesmo ano.
As aeronaves que ainda estavam no Brasil foram sucateadas no Galeão entre 2014 e 2017, o que gerou até mesmo revolta e decepção em alguns entusiastas, que esperavam que pelo menos uma das aeronaves fosse preservada no Museu Aeroespacial.
Sem os veteranos quadrijatos, o Esquadrão Corsário ficou parado até 2016 quando a FAB alugou um Boeing 767-300ER. A FAB, na verdade, já desejava substituir os KC-137 pelos 767 no âmbito do Projeto KC-X2, tendo até mesmo selecionado a Israel Aerospace Industries para a conversão de uma aeronave para REVO, o que jamais foi efetivado.
O chamado C-767 chegou ao país em 2016, até mesmo para apoiar a movimentação de tropas e cargas durante as Olimpíadas. O 767 de matrícula 2900 foi a única aeronave em serviço com o 2º/2º GT até ser devolvido ao proprietário em 2019. Em 2020, a FAB cancelou a licitação para um segundo arrendamento. Mais uma vez, o esquadrão estava parado.
COVID
Na época do cancelamento da licitação, a FAB, através da Comissão de Aeronáutica Brasileira em Washington (CABW), alegou que a pandemia de COVID-19 “impactou o mercado aeronáutico, ocasionando mudanças estratégicas e fechamento de diversas empresas de transporte aéreo, com provável implicação no número de aeronaves disponíveis para aquisição e arrendamento”.
Na mesma pandemia, que ainda dura até hoje mas de forma muito mais reduzida, a FAB esteve engajada no voo de repatriação de brasileiros na China, e na Operação COVID-19.
A missão de repatriação contou com os dois VC-2, os EMB-190 Lineage da FAB, normalmente usados pelo Presidente e sua comitiva em viagens mais curtas ou que exigem mais aviões além do Airbus VC-1. Outro grupo de brasileiros que estavam no Peru também foi resgatado, mas com os veteranos C-130 Hércules.
Já a operação COVID contou com o uso de quase todos os aviões da frota de transporte da FAB para o transporte de pacientes, vacinas, insumos, oxigênio líquido e gasoso, materiais hospitalares, remédios, hospitais de campanha e outros pelo Brasil todo, especialmente durante os períodos de pico da pandemia, como no início de 2021 em Manaus.
Os dois casos escancararam a necessidade da FAB para um avião com mais autonomia e capacidade de carga. Algo que, para a instituição, já não era novidade.
Então veio o anúncio. Em 29 de janeiro de 2021, durante uma “live” no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro revelou que a FAB estava adquirindo dois Airbus A330 de carga. Bolsonaro ainda afirmou que os aviões seriam pagos com recursos da resgatados pela Operação Lava-Jato.
O trecho da transmissão foi compartilhada pelo então Comandante Geral de Apoio da FAB, Tenente-Brigadeiro Baptista Jr., que celebrou a decisão. Em abril do mesmo ano, Baptista Jr. foi apontado como novo Comandante da Aeronáutica por Bolsonaro.
O Ministério da Economia ainda chegou a negar a compra dos aviões para a FAB, mas o contrato seguiu em frente.
CABW
O projeto KC-X3 nasceu com a saída do 767, mas foi só em 27/01/2022, quase um ano depois da fala de Bolsonaro, que a FAB abriu a licitação para a compra de dois Airbus A330 para futura conversão para o padrão MRTT.
A licitação 67102.220004/2022-59 foi publicada no Diário Oficial da União pela Comissão de Aeronáutica Brasileira em Washington. A CABW, que tem por missão “Centralizar, dentro de sua área de atuação, atividades de apoio logístico e serviços, administração de acordos, ajustes e contratos, bem como outros por ela determinados, todos de interesse e responsabilidade da Força Aérea Brasileira”, conduziu todo o processo.
Ficou definido que os aviões não poderiam ter sido fabricados antes de 2014 e tinham de ser da série A330-200, compatíveis para os futuros trabalhos de conversão.
A Azul foi a única empresa a apresentar uma proposta, sendo declarada vencedora no dia 06/04. O contrato, avaliado em US$ 80.581 milhões, foi assinado 12 dias depois. A FAB adquiria então os seus dois mais novos e maiores aviões de sua história.
Brasil, Jordânia, Irlanda, EUA e Brasil
Com o contrato assinado, a Força Aérea divulgou detalhes dos novos aviões fornecidos pela Azul. São dois Airbus A330-243, ambos tendo feito seus primeiros voos em 2014, mais tarde atuando na finada Avianca Brasil.
A primeira aeronave a chegar ao Brasil é a de matrícula FAB 2901, MSN 1492. Fez seu primeiro voo em 14/04/2014 e entregue à Avianca com a matrícula N941AV em outubro de 2014. Em novembro de 2017 foi repassado à Avianca Brasil que o operou até o encerramento das suas operações com a matrícula PR-OCJ.
Depois de ser adquirido pela Azul Linhas Aéreas em 2019, recebeu o registro PR-AIS e foi estocado em dezembro de 2020.
Já o MSN 1508, futuro FAB 2902, fez seu primeiro voo em 14/03/2014, também entregue à companhia aérea colombiana em outubro do mesmo ano, com a matrícula N508AV. Em julho de 2017 foi transferido para o braço brasileiro da Avianca recebendo a matrícula PR-OCK e mais tarde foi devolvido à companhia de leasing Titan Airways, onde está registrado como G-POWX.
Former Azul turned Brazilian Air Force A330 freshly painted leaving Dublin this evening… pic.twitter.com/B4vKWBbVR0
— Andy Monks 🛫🛬 (@AndythePandy_) July 13, 2022
REVO apenas no futuro
Apesar de ser chamado de KC-30, o indicativo K é para aviões de reabastecimento em voo, o que o A330 ainda não é. Por enquanto, a aeronave está limitada para transporte de passageiros e cargas em seu porão.
Ao mesmo tempo em que recebe o seu novo modelo, a Aeronáutica negocia com a Airbus o contrato de conversão para o padrão MRTT (Multi Role Tanker Transport). A FAB deseja ter seu primeiro avião convertido em 2024.
A transformação do modelo é feita pela fabricante na Espanha, nas suas instalações em Getafe, na capital Madri. A partir da chegada do avião na Europa, começa um trabalho que pode levar até 18 meses segundo a Airbus.
O A330 recebe até três pontos de reabastecimento, dois na asa e um na fuselagem, que recebem mangueiras para a transferência de combustível. O cliente pode optar pela lança de REVO, mas esse não é caso da FAB já que esse método não é usado pelos aviões militares brasileiros.
Por dentro, a cabine passa a ser configurável para receber cargas, passageiros ou macas, podendo ser transformada em uma UTI para evacuação de pacientes em estado grave.
O MRTT pode transportar até 45 toneladas de carga, além de 380 passageiros em classe única. A aeronave também pode ser empregada em missões de evacuação aeromédica (MEDEVAC) carregando 130 macas comuns, ou 40 macas, 20 assentos para equipe médica e 100 passageiros.
Como avião-tanque, o A330 pode carregar 111 toneladas de combustível, sem tanques adicionais. De acordo com a Airbus, esta é a maior capacidade dentre todos os aviões-tanque em serviço. A aeronave também pode receber um módulo para descanso de tripulação ou ser convertida para transporte VIP/Presidencial, como foi feito pela Força Aérea Real (RAF) em um de seus Voyager KC.3.
A chegada do A330, agora KC-30, é uma grande novidade, marcando a volta do Esquadrão Corsário e obtenção de uma grande capacidade de transporte. Ainda assim, a Força Aérea Brasileira tem mais um longo trecho a ser percorrido para que os aviões se tornem verdadeiros multiplicadores de força.
Quer receber nossas notícias em primeira mão? Clique Aqui e faça parte do nosso Grupo no Whatsapp ou Telegram.