Advertisement

Acidente com Marília Mendonça – CENIPA publica conclusões

Marília Menconça acidente CENIPA Relatório

O CENIPA, órgão vinculado à Força Aérea Brasileira, concluiu as investigações do acidente que tirou a vida da cantora Marília Mendonça e mais quatro pessoas, em novembro de 2021 e trouxe a público, em seu relatório final, suas conclusões, nesta segunda feira, 15 de maio.

A investigação sustenta que no dia do acidente, o avião que trazia a Marília Mendonça e sua equipe não apresentou falha mecânica e tampouco teve como fator principal, o erro humano, apesar de indicar possível erro de decisão dos pilotos, como um dos fatores contribuintes.

O King Air C90A bateu no cabo de uma torre de distribuição da CEMIG, numa linha de transmissão elétrica não sinalizada e que estava fora da zona de proteção do aeródromo, “[…] uma vez que a linha de 69kv encontrava-se fora dos limites da Zona de Proteção de Aeródromo (ZPA) estabelecidos pelo PBZPA, ela não se caracterizava como obstáculo que pudesse causar efeito adverso à segurança ou regularidade das operações aéreas…” (CENIPA).

Conforme a ICA 11-408, um objeto deve ser sinalizado e iluminado, caso:

  • Quando se tratar de torres, mastros, postes, linhas elétricas elevados, cabos suspensos ou outros […] a distância que estejam localizados dentro dos limites lateiras da superfície de transição ou dentro dos 3.000 metros da borda interna das superfícies de aproximação…
  • Quando se tratar de linhas elétricas elevadas, cabos suspensos ou outros objetos de configuração semelhante, que atravessam rios.
  • Quando se tratar de objetos que se elevem a 150 metros de altura ou mais.

Contudo, considerando que a linha de 69kv encontrava-se fora dos limites da Zona de Proteção do Aeródromo de SNCT e que possuía altura inferior a 150 metros e fora da superfície de aproximação ou decolagem, não representava um efeito adverso à segurança ou regularidade das operações aéreas, apesar de cruzar o Ribeirão do Laje, conforme a instrução emitida e normatizada pelo Departamento de Controle do Espaço Aéreo, o DECEA.

Merilia Menconça acidente

Considerando que o aeródromo de Caratinga opera somente sob regras de voo visual (VFR), o relatório final do CENIPA ainda indica o julgamento de pilotagem como fator contribuinte para a queda da aeronave, “… no que diz respeito ao perfil de aproximação para pouso, houve uma avaliação inadequada acerca de parâmetros da operação da aeronave, uma vez que a perna do vento foi alongada em uma distância significativamente maior do que aquela esperada para uma aeronave de “categoria de performance B” em procedimentos de pouso sob VFR” (CENIPA).

Merilia Menconça acidente

Circuito de tráfego padrão, aplicável para voo e aeródromo que opera visual. A perna do venté a trajetória paralela à pista, porém, em sentido oposto ao sentido de pouso.

Em outras palavras, o CENIPA afirma que o piloto não poderia ter alongado tanto a perna do vento e ingressado numa base mais afastada do aeródromo, sugerindo, inclusive, que a experiência de 10 anos de trabalho numa companhia aérea, voando num Airbus A319/320, pode ter contribuído para a decisão de se ingressar numa final mais alongada, pelo comandante.

Bom, sendo piloto de linha aérea, o autor deste artigo considera injusta a possível atribuição da falha de julgamento de pilotagem como um dos fatores contribuintes, já que, conforme a ICA 100-12, item 5.2., “Caberá ao piloto em comando de uma aeronave em voo VFR providenciar sua própria separação em relação a obstáculos e demais aeronaves por meio do uso da visão…” e, o item 4.2.1., “As regras descritas a seguir não eximem o piloto em comando da responsabilidade de tomar a melhor ação para evitar uma colisão, incluindo as manobras baseadas nos avisos de resolução providas pelo equipamento ACAS”.

Enfim, a colisão contra a linha de transmissão ocorreu em uma posição alinhada com o prolongamento da pista de SNCT, a 2,5NM da cabeceira 02 e a uma altura de 922ft em relação à pista. Naquele ponto, a aeronave estaria a cerca de 115ft de altura em relação ao terreno, porém com uma rampa equivalente a 3,46° em relação à cabeceira 02.

Merilia Menconça acidente
Corte vertical do terreno e da rampa presumida projetada, compreendida entre o ponto estimado de impacto e a cabeceira 02.

 

Apesar do ROTAER não indicar a presença deste respectivo obstáculo, nas cartas WAC, aplicáveis a voos visuais, há a indicação da linha de alta tensão, porém sem sinaliza-la como obstáculo relevante.

Também outra informação relevante, é que no momento do acidente não havia uma carta VAC (carta de aproximação visual) publicada, que provê aos pilotos todas as informações relevantes aos procedimentos de aproximação, pouso e decolagem, apesar de não ser obrigatória, conforme regulamentações vigentes. Hoje, a tal VAC existe, até mesmo diante das recomendações emitidas pelo centro à ANAC e ao DECEA, com data de publicação no dia 20 de abril de 2023, indicando especificamente a altitude de todos os obstáculos relevantes e próximos ao aeródromo.

Para Sérgio Alonso, advogado da família de Geraldo Martins de Medeiros, o comandante do C90A, o documento atesta a responsabilidade da CEMIG no acidente, apesar de também apontar “avaliação inadequada” por parte do comandante do bimotor.

“O piloto entrou numa armadilha porque não havia sinalização”, afirma o advogado especialista em direito aeronáutico, que também indaga “se estivesse sinalizado, ele teria 30 segundos para avaliar a aproximação. Sem a sinalização, ele teve 0,3 segundo, o que a acuidade do olho humano não consegue calcular”.

Quanto ao modelo de avião, apesar de alguns “especialistas” (leia com cinismo) afirmarem que não parece ser seguro pelo tanto de acidente ocorrido no passado, ressalta-se a produção da linha que durou mais de meio século, com mais de 7.000 unidades produzidas ao longo dos anos e também por ser a terceira maior frota de aviões executivos (categoria TPP e TPX) voando regularmente no Brasil, conforme o Registro Aeronáutico Brasileiro, o RAB – ANAC.

Por fim, o relatório deixa claro a excelência registrada nas manutenções da frota do táxi aéreo, assim como no processo seletivo de pilotos e respectivas qualificações e experiências, tanto que o comandante responsável pelo voo, no momento do acidente, registrava mais de 16 mil horas de voo e vários modelos de aeronaves pilotadas em seu currículo, dentro eles, o Airbus A319/320 e alguns modelos de “jatos executivos” da Cessna. 

É evidente que esta é agora uma das novas discussões recorrentes da comunidade aeronáutica, inclusive sobre a possibilidade de extensão do tamanho de raio que engloba a zona de proteção de aeródromo, de modo a atribuir sinalização a mais obstáculos que possam afetar a segurança de voo, principalmente em aeródromos localizados em regiões montanhosa, como a maioria dos encontrados no estado de Minas Gerais.

Ainda, destaque à divergência de requisitos e instruções sinalizados pela comissão de investigação no regulamento publicado pela ANAC e pela instrução publicada pelo DECEA, ambos regulando sobre aspectos de homologação de aeródromos públicos.

Cabe agora à polícia civil, a investigação e atribuição de responsabilidades, já que o relatório final do CENIPA não traz este tipo de conclusões acusatórias.

O relatório final do CENIPA sobre o acidente com o avião que transportava a cantora Marília Mendonça e sua equipe poderá ser acessado clicando aqui.

 

Veja também:

 

Quer receber nossas notícias em primeira mão? Clique Aqui e faça parte do nosso Grupo no Whatsapp ou Telegram.

 

Rafael Payão

Autor: Rafael Payão

Analista do mercado de aviação executiva da Aeroflap. Consultor de vendas e compras de aerovanes da Aeroflap. É piloto (PLA) com mais de 3000 horas voo, formado bacharel em Aviação Civil pela UAM e pós graduado em engenharia de manutenção aeronáutica pela PUC-MG.

Categorias: Aeronaves, Notícias

Tags: acidentes aéreos, Aeronaves, cenipa, news, usaexport