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Ucrânia e Rússia: como a chegada do F-16 pode afetar o conflito

Caça F-16 Fighting Falcon da Polônia. Ucrânia deve receber caças em junho. Foto: Força Aérea Polonesa via OTAN.

A guerra entre Rússia e Ucrânia está prestes a completar dois anos, em um status quase como da Primeira Guerra Mundial. A guerra de trincheiras agora é moderna e além de batalharem por poucos metros de terreno, as tropas lidam com constante ameaça de drones, mísseis e granadas de artilharia. Mas ainda em 2024 a Ucrânia deve receber algo que tem pedido desde o início do conflito: novos aviões de caça. O popular F-16 Fighting Falcon deve chegar ao país em junho, por meio de uma coalizão formada por 13 países que estão fornecendo não só as aeronaves, mas também o treinamento para operar e manter os caças. 

Antiga integrante da União Soviética, a Ucrânia tem sua força aérea formada majoritariamente por aeronaves do antigo estado socialista e fará a transição para o principal avião de caça da OTAN em meio ao combate. Mas afinal, como a chegada do F-16 muda um conflito que está, em geral, estagnado? O Aeroflap conversou com João Gabriel Burmann da Costa, professor de Relações Internacionais da UniRitter e pesquisador-associado do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), para entender isso. 

Se no início da guerra o combate aéreo era mais latente – inclusive com a criação de lendas sobre um mítico aviador ucraniano –não se pode dizer o mesmo da situação atual. Nos últimos 18 meses o protagonismo está com os drones.

Sejam do tipo suicida, munição-vagante ou adaptados para para carregarem granadas e ou munições antitanque, os drones são baratos e fáceis de repor e armar. Estas aeronaves remotamente pilotadas tem grandes efeitos econômicos e psicológicos. No entanto, ainda há lugar para os tradicionais aviões de caça, que embora tenham um papel mais coadjuvante se comparados aos drones, permanecem firmes atuando nos conflitos, dos dois lados. 

Mikoyan MiG-29 da Ucrânia armado com míssil antirradar AGM-88 dos EUA. Foto via @Tendar
Mikoyan MiG-29 da Ucrânia armado com míssil antirradar AGM-88 dos EUA. Foto via @Tendar

“Com certeza afeta o conflito. É um ganho, uma vantagem operacional contra a Rússia”, diz o especialista, comparando o F-16 com os modelos operados por Kiev, como o MiG-29 Fulcrum e o Su-27 Flanker. Por outro lado, Burmann diz que ainda existem muitas dúvidas sobre a chegada dos aviões e uma mudança na correlação de forças.

“No geral a guerra não está sendo travada com aeronaves de caça, na verdade vemos uma ausência de superioridade aérea de ambas as partes. Os dois lados estão utilizando muitos sistemas de defesa antiaérea. [O F-16] Pode sim trazer alguma vantagem para a Ucrânia mas eu não sei se chega a afetar essa balança [de poder], se formos considerar as capacidades dos F-16 que a Ucrânia vai receber com relação aos sistemas mais avançados de mísseis antiaéreos da Rússia, talvez não seja suficiente pra garantir completamente a superioridade aérea.”

A Rússia tem empregado caças Su-35 Flanker e MiG-31 e o caça-bombardeiro Su-34 no conflito, tendo perdido algumas unidades dessas aeronaves. São modelos mais novos, que podem ter suas vantagens contra o F-16, ainda que este último ainda seja melhor que os caças em serviço com a Ucrânia. Para o professor, no entanto, existem poucas chances de um combate entre o F-16 e os caças russos, pelo menos em um primeiro momento. 

“É muito pouco provável que o F-16 e as aeronaves russas se encontrem no ar. Não acredito que a gente passe a ver dogfights estilo ‘Top Gun'”, afirma Burmann, em referência aos filmes de combate aéreo estrelados por Tom Cruise. “O número de aeronaves que a Ucrânia deve receber é diminuto. Nesse primeiro ano devem ser menos de 40 aeronaves. Isso deve ser suficiente para garantir um pouco dessa superioridade aérea, mas não para fazer com que a Ucrânia arrisque utilizar esses caças num combate tão aproximado das aeronaves russas.” 

Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e a primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen a bordo de um F-16BM. Foto: Mads Claus Rasmussen /Ritzau Scanpix/AFP
Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e a primeira-ministra dinamarquesa Mette Frederiksen a bordo de um F-16BM. Foto: Mads Claus Rasmussen /Ritzau Scanpix/AFP

Burmann observa que os F-16 podem ser usados em um papel mais de defesa, para proteger instalações ucranianas de ataques com mísseis de cruzeiro, ou mesmo enfrentar caças-bombardeiros e jatos de ataque. Tendo o F-16 como adversário, aeronaves desse tipo teriam dificuldade de operar sobre cidades e infraestruturas ucranianas. Para ele, a Ucrânia enfrentaria mais dificuldades empregando o F-16 de uma forma mais agressiva do que integrando a “nova” aeronave na já estabelecida rede de defesa. 

Além do fator Rússia, a própria entrega e operação dos aviões pela Ucrânia não é uma tarefa fácil. A questão está na formação dos pilotos e técnicos de manutenção, que é realizada fora da Ucrânia pela coalizão que também está doando os aviões, uma iniciativa inicialmente liderada pela Holanda e Dinamarca depois que os Estados Unidos deram luz verde para o envio dos F-16.

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Bélgica, Canadá, Luxemburgo, Noruega, Polônia, Portugal, Romênia, Suécia, Grécia e Reino Unido também se juntaram aos esforços, contando com apoio da Lockheed Martin, fabricante do F-16. Essas nações se comprometeram principalmente a fornecer o treinamento aos pilotos ucranianos, começando pela língua inglesa, passando pelos procedimentos da OTAN e culminando na instrução a bordo dos novos aviões.

Segundo o professor, o grande risco não está em ter aeronaves abatidas, mas sim perder esse capital humano, que é muito mais difícil e demorado de repor, vide o esforço conjunto para a formação desses profissionais. Esforço, aliás, que está sendo acelerado ao máximo, para que os militares voltem ao país o mais rápido possível. Cabe lembrar que o curso básico para pilotos no F-16 tem duração de nove meses. 

F-16 dos EUA na Base Aérea de Mirgorod, Ucrânia, durante um exercício em 2011. Foto: Alabama ANG.
F-16 dos EUA na Base Aérea de Mirgorod, Ucrânia, durante um exercício em 2011. Foto: Alabama ANG.

Para operar o F-16, uma aeronave mais “delicada” que os modelos da Rússia, também é necessária uma filosofia diferente da massificada pelos ucranianos. A aeronave possui uma pegada logística maior e uma extensa cadeia de suprimentos, que deverá ser suprida pelos aliados da Ucrânia.

A infraestrutura para manter os aviões também é diferente, algo que a UAF já vem preparando, conforme o porta-voz da Força Aérea, Yurii Ihnat, disse à televisão. “Idealmente, esconderíamos tudo no subsolo, como faz o Irã”, disse Ihnat em referência à uma base iraniana subterrânea apresentada no início do ano passado. Ele também observa que as bases deverão receber reforços para se defender de ataques com mísseis e drones. 

Mesmo com todas essas dificuldades, a chegada do F-16 é um importante reforço para a Força Aérea da Ucrânia que tem operado no limite há quase dois anos. O Viper, como é popularmente chamado, também vai potencializar o emprego de armas que já estão sendo usadas pela Ucrânia, como os mísseis ar-ar AIM-9 e AMRAAM, bombas inteligentes JDAM e o míssil antirradar AGM-88 HARM. 

Embora a Rússia tenha protestado contra o fornecimento desses e outros materiais, o professor Burmann acredita que não haverá uma grande retaliação por parte de Moscou. “É possível que haja uma exibição de força, uma demonstração de poder, mas na medida que a resposta da OTAN seja proporcional. Não imagino que isso signifique uma escalada na guerra ou uma entrada de novos aliados”, pontua. 

Segundo Burmann, a entrega dos aviões também é um sinal de longo prazo para Kiev, uma vez que inicia um importante processo de padronização da Força Aérea da Ucrânia com o que ele chamou de “o maior sistema da OTAN em termos de força aérea”, que é o F-16 Fighting Falcon. “É um ganho de médio-longo prazo, se pensarmos num futuro de maior aproximação da OTAN com a Ucrânia”, conclui.

 

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Gabriel Centeno

Autor: Gabriel Centeno

Estudante de Jornalismo na UFRGS, spotter e entusiasta de aviação militar.

Categorias: Militar, Notícias, Notícias

Tags: F-16, Rússia, Ucrânia