Quais são as modificações necessárias para o 737 MAX voltar a operar voos?

Nesta quarta-feira (18) acompanhamos a FAA tomando uma sequência de medidas para permitir o retorno do Boeing 737 MAX aos céus. No entanto, o que parece ser uma autorização para utilizar a aeronave, na verdade trata-se de muitas obrigações.

Essas obrigações são compostas por várias modificações, seja em procedimentos ou nas aeronaves, que as companhias aéreas e a Boeing devem implementar, e cada avião será individualmente autorizado a voltar a voar, de acordo com suas atualizações, e se eles estão cumprindo também o roteiro proposto pela FAA.

Abaixo vamos conferir algumas das modificações sugeridas pela FAA desde o primeiro acidente com o 737 MAX, em outubro de 2018.

 

Sistema MCAS e sensores

Boeing 737 MAX

Sensor de ângulo de ataque abaixo dos dois tubos de pitot, em um 737 MAX pilotado pelo chefe da FAA, Steve Dickson. Foto – FAA/Divulgação

Como quase todos sabem, o pivô de todo o problema com o 737 MAX é causado principalmente por uma CONSTRUÇÃO ERRADA do software de controle do sistema MCAS.

O “sistema” MCAS é um sub-sistema de todo o software de voo, ele controla um parte específica do avião, não permitindo que o mesmo exceda as especificações de ângulo de ataque, e entre em uma condição de estol por ângulo de ataque.

O grande problema é que os projetistas construíram essa parte do software de maneira totalmente errada, permitindo que o sistema entrasse em funcionamento considerando o maior valor entre os dois sensores de ângulo de ataque, localizados no nariz da aeronave, na parte externa, mas perto dos instrumentos digitais.

Em uma aeronave da concorrência, como o Airbus A320neo, há um sistema bastante similar, com os “mesmos” sensores de ângulo de ataque, e uma correção para evitar excessos por parte dos pilotos. Muitos conhecem os sistemas de proteção da Airbus, e sabem que muito antes da Boeing os aviões da fabricante europeia já utilizavam essa tecnologia.

Então não há problema em haver um software interferindo nos controles ou pilotando a aeronave. Na realidade essa modernidade atual já salvou muitas vidas, em comparação com aquela clássica aviação de antigamente que gostamos tanto de relembrar.

Clássico Trident pousando sozinho em 1968.

Enfim…

A FAA solicitou à Boeing correções no sistema de controle de voo via software, bem como a implementação de alertas de atuação do MCAS para os pilotos.

Agora o sistema MCAS é automaticamente desligado quando há uma divergência muito grande entre os dois sensores, algo que não ocorria anteriormente. Os pilotos também são avisados sobre a desativação do MCAS, para evitar a execução de manobras bruscas e também por outros motivos operacionais.

A luz de aviso no cockpit, antes opcional, agora é obrigatória, e indica a atuação do sistema MCAS na aeronave. A complexidade de novos avisos indicam ao piloto o funcionamento do sistema MCAS, e que ele deve tomar as devidas atitudes listadas no treinamento para desligar o sistema, se necessário, para retomar o controle da aeronave, ou para evitar manobras mais bruscas.

O software de voo também foi modificado nessa questão dos avisos, visto que o computador da aeronave está diretamente ligado com as várias telas e com o painel do aeronave, localizados no cockpit.

Os sensores, por sua vez, precisarão de um maior cuidado da equipe de manutenção, que precisará testá-los em período mais curto, até a fornecedora da Boeing indicar uma peça de maior durabilidade para ser instalada nas aeronaves então em atividade.

Veja bem, isso em momento algum afeta o nível de segurança do avião, apenas aumenta ainda mais a confiabilidade do mesmo, visto que muitos aviões com cerca de um ano de uso já apresentavam erros de leitura nos sensores de ângulo de ataque.

Esse teste do sistema de sensor de ângulo de ataque (AOA) deverá ser realizado antes de um voo de prontidão operacional para retornar os voos comerciais com cada aeronave.

 

Treinamento dos tripulantes

Boeing 737 MAX

Cockpit do 737 MAX | Photo: Daniel Tay

Com novidades no controle da aeronave, novos alertas, e diversas críticas para a simplicidade de treinamento na transição do 737 NG para o 737 MAX, a FAA logicamente precisou alterar os procedimentos para treinar principalmente os pilotos do novo avião narrowbody da Boeing.

Todo esse problema começou com a Boeing tentando certificar o 737 MAX como uma “alteração” a partir do 737 NG. Nas regulamentações aeronáuticas há uma brecha que, quando a aeronave é uma “atualização”, como do Airbus A320ceo para o A320neo, os tripulantes podem reaproveitar boa parte do seu treinamento do avião “antigo” para ser certificar no avião “novo”.

Isso logicamente trás uma enorme economia de dinheiro para as companhias aéreas, que chegam a exigir esse ponto no contrato. Quer um exemplo? Os aviões Boeing 737-300 da Southwest tinham alguns instrumentos no cockpit derivados propositalmente do 737-200, simplesmente para minimizar o treinamento dos pilotos.

A Airbus manteve o cockpit entre o A320ceo e o A320neo, bem como do A330ceo para o A330neo, somente para facilitar o treinamento dos pilotos. A lógica da Airbus foi a mesma, ao utilizar o mesmo cockpit do A320 nas suas aeronaves seguintes: O A330 e o A340.

O treinamento de somente um piloto pode custar dezenas de dólares, pela exigência de muitas horas teóricas de aula com instrutores habilitados, e principalmente pelo caríssimo simulador do Tipo-D, com movimentos reais (foto abaixo).

Esse é o simulador em funcionamento, com movimentos muito fiéis e enormes pistões eletropneumáticos.

Agora os pilotos do 737 MAX serão obrigados a treinar os procedimentos da aeronave, principalmente envolvendo o MCAS, em um simulador Full Motion do Tipo-D, para aprender a reação do avião.

Anteriormente alguns pilotos relataram ao Portal Aeroflap que o treinamento era composto por duas folhas descrevendo o sistema, se limitando apenas a ser teórico, sem treinamento prático do MCAS atuando nas superfícies de controle de voo, muito menos com toda a dificuldade de retomar o ângulo de ataque através das rodas de comando manual do trim (Clique Aqui e veja mais sobre esse assunto, que é outra provável mudança do 737 MAX).

Agora o sistema pode ser desativado (sem uma reativação automática da aeronave) através do comando de trim elétrico (stab trim), duas chaves localizadas logo ao lado do co-piloto, no painel central.

Logicamente, os pilotos ficam sem o comando elétrico da roda do trim, localizado em cada manche da aeronave. A correção da compensação precisa ser realizada, se necessário, através das rodas manuais, localizadas ao lado de cada piloto.

Desta forma, o piloto do 737 MAX precisará praticamente obter uma nova carteira de tipo para pilotar o avião. Antes ele precisava somente de uma expansão de treinamento para obter a carteira de tipo.

O custo aumentou, e como a Boeing não cumpriu o prometido na hora da compra (de treinamento simplificado), a fabricante norte-americana já está considerando isso nas indenizações que está pagando aos clientes por atraso nas entregas e impedimentos de uso do 737 MAX.

Vale ressaltar, assim como a atualização de software, essa atualização nos manuais e procedimentos de treinamento de tripulantes é uma condição obrigatória para o retorno do 737 MAX.

 

Sistema de cabeamento e aterramento

Além dos erros no software, a FAA revirou tanto o 737 MAX que descobriu mais problemas na aeronave.

Como está neste subtítulo, os dois problemas envolvem os cabeamentos do sistema de aviônicos, que podem entrar em curto, bem como uma camada de aterramento da carenagem do motor, que evita problemas eletromagnéticos causados pelos raios.

Nos 20 meses que o 737 MAX ficou sem voar a FAA já recomendou a troca da camada de alumínio por uma nova, no problema que envolve o aterramento do motor, nos aviões 737 MAX que estavam estocados.

Boeing 737 MAX

Na ocasião a agência (FAA) ressaltou que esse erro poderia causar erros na transmissão de dados de funcionamento do motor, causando possíveis alterações na potência, bem como uma exibição alterada de dados potencialmente perigosa.

A Boeing disse em dezembro que a questão afetou os aviões construídos entre fevereiro de 2018 e junho de 2019 e, como resultado, “a película protetora contra interferências (blindagem) dentro dos painéis compostos pode ter lacunas”.

O problema deverá ser resolvido em solo ao mesmo tempo que o Boeing 737 MAX recebe as atualizações de software para retomar os voos, já que este é algo simples e barato de resolver.

É um problema sério, visto que não é raro o caso de aviões atingidos por raios. Mas todos são preparados para evento, por isso há seções de isolamento e outras que conduzem a eletricidade (para não causar danos à estrutura).

Por sua vez, o problema no cabeamento já foi analisado pela FAA, e será corrigido nas aeronaves que necessitarem do reparo. Este já é extenso e demorado, visto que exige a desmontagem de todo o interior da aeronave (pelo menos a parte do piso) para realizar os reparos requeridos.

O risco, no caso deste último, é de um curto circuito afetar o funcionamento dos aviônicos da aeronave, ou até pior, causar um incêndio.

 

Como fica a situação do Boeing 737 MAX?

“A frota de aviões 737 MAX da United não retornará ao serviço até que tenhamos concluído mais de 1000 horas de trabalho em cada aeronave, incluindo alterações mandatadas pela FAA no software de voo, treinamento adicional de pilotos, vários voos de teste e análise técnica meticulosa para garantir que os planos sejam pronto para voar”, disse a United Airlines em nota.

Boeing 737 MAX

Foto – Divulgação

A Southwest também ressaltou que todos os pilotos vão receber o novo treinamento para o 737 MAX, e após um acordo entre todos, a companhia retomará as operações com sua nova aeronave.

A avaliação de retorno do 737 MAX está sendo realizada em conjunto com quatro agências reguladoras da aviação, incluindo a ANAC do Brasil. O objetivo é reforçar a segurança da avaliação, e possibilitar um retorno imediato do 737 MAX em diversos países. A autorização da FAA é um start para outros países também autorizarem o retorno da aeronave.

A ANAC do Brasil, por exemplo, já ressaltou que está avaliando separadamente o retorno do Boeing 737 MAX aos voos comerciais. No Brasil a GOL é a única companhia que opera VOOS DE PASSAGEIROS com aviões Boeing 737.

Boeing 737 MAX

Comparação, Winglet do MAX com o NG

A partir desta diretriz da FAA, a ANAC procederá com os ajustes finais para conclusão do processo de validação para retorno do modelo Boeing 737- 8 MAX no Brasil. Após o término desse trabalho, o operador brasileiro da aeronave, que atualmente é a GOL Linhas Aéreas, deverá incorporar e demonstrar de forma satisfatória o cumprimento de todas as novas diretrizes, tanto em termos de projeto quanto de treinamento de pilotos.

Outros países, que também participaram da certificação conjunta, também estão com a mesma atitude. Desta forma, podemos esperar um retorno compassado do 737 MAX aos voos comerciais, pouco-a-pouco.

Companhia que já receberam aviões Boeing 737 MAX somente nas Américas (Dados da Cirium):

 

Companhia Aérea

 Estocados

Encomendados

Aerolineas Argentinas

5

9

Aeromexico

6

49

Air Canada

24

26

Alaska Airlines

0

32

American Airlines

24

76

Caribbean Airlines

0

5

Cayman Airways

2

2

Copa Airlines

6

58

GOL

7

95

Southwest Airlines

34

262

Sunwing

2

4

United Airlines

14

170

WestJet

13

44

Total

137

843

 

Ao todo mais de 450 aviões estão estocados pela própria Boeing e nunca foram utilizados para voos comerciais. A fabricante norte-americana já entregou mais de 370 aviões, antes da paralisação, e espera entregar mais de 3000 aeronaves deste modelo nos próximos anos.

A crise do 737 MAX custou à Boeing mais de 19 bilhões de dólares, reduziu a produção e prejudicou sua cadeia de suprimentos, com investigações criminais e do Congresso ainda em andamento.

A extensa revisão da FAA levou mais de 18 meses e incluiu o trabalho em tempo integral de mais de 40 engenheiros, inspetores, pilotos e equipe de suporte técnico. Até o momento, a FAA realizou mais de 60 mil horas de revisão, teste de certificação e avaliação de documentos.

 

 

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